"Ao mesmo tempo que reivindicou seu pertencimento ao Mercosul, o Uruguai comunicou que começará a conversar com outros países para negociar acordos comerciais fora da região", informou o Ministério das Relações Exteriores uruguaio, após a reunião ordinária do Conselho do Mercado Comum do bloco.
O governo do Uruguai "entende que a decisão (ndr: do ano 2000) não está em vigor", assinalou o ministério, referindo-se ao compromisso dos Estados de negociar acordos comerciais com outros países ou blocos apenas em conjunto ou após autorização dos demais membros do Mercosul.
A chancelaria também mencionou que na reunião virtual entre os membros - Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia (Estado associado) - "não foi aprovada a redução da tarifa externa comum, apesar de o Uruguai ter apoiado algumas das propostas apresentadas sobre o assunto, as quais sempre foram entendidas como parte de um mesmo pacote com a flexibilização" das negociações com terceiros.
O anúncio cai como uma bomba na véspera da reunião semestral ordinária de chefes de Estado do Mercosul, na qual a Argentina passará a presidência rotativa do bloco para o Brasil.
- Brasil, um aliado -
Tanto a redução da tarifa externa comum quanto uma flexibilização que permita o fechamento de acordos comerciais sem um consenso entre os integrantes são assuntos que dividem o bloco, fundado em 1991.
O Uruguai tem sido o principal defensor de uma abertura para negociar com terceiros há quase duas décadas, mas com pouco eco. Nos últimos tempos, o Brasil se mostrou inclinado a acompanhar a posição de Montevidéu, enquanto a Argentina aparece como um opositor ferrenho.
"Com essa declaração, o Uruguai está dizendo: 'não posso voltar a aceitar um 'não' como resposta', porque há muito tempo temos um 'não' da Argentina cada vez que esse tema é levantado", indicou à AFP Ignacio Bartesaghi, diretor do Instituto de Negócios Internacionais da Universidade Católica do Uruguai. "A diferença é que agora temos o apoio do Brasil nessa definição."
Por isso, para esse especialista em Relações Internacionais, não foi por acaso que o Uruguai divulgou esse comunicado um dia antes de a presidência do bloco cair nas mãos do governo de Jair Bolsonaro. "Ele está dizendo, antes de uma reunião presidencial e antes dos seis meses de presidência do Brasil, que será seu aliado. O Uruguai tem esses seis meses para conseguir essa flexibilização."
Bartesaghi entende que, com essa declaração, "o Uruguai deixa a relação o mais tensa possível, mas não busca romper a corda". "Não busca deixar o bloco, e sim envia uma mensagem de que fará de tudo nos próximo seis meses para alcançar seu objetivo", que consiste basicamente em negociações comerciais com a China, explicou.
O especialista considera "razoável pensar, no entanto, que a reunião de amanhã terá um tom melhor". O Uruguai deve "buscar caminhos intermediários" e conseguir uma declaração conjunta que lhe permita negociar de forma bilateral.
No Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) assinalou hoje que "a decisão unilateral do Uruguai não ajuda no avanço do bloco". Já o vice-ministro de Relações Econômicas e Integração do Paraguai, Raúl Cano, avaliou que o anúncio uruguaio deixa o Mercosul em situação difícil.
"É uma situação delicada para o Mercosul. É uma decisão intempestiva e inoportuna, como foi dito na reunião de chanceleres desta quarta-feira", afirmou Cano, assinalando que "as decisões dos órgãos do Mercosul são tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados", após relembrar o artigo 37 do Tratado de Assunção, que deu forma ao bloco.
A questão agora é como a Argentina reagirá à declaração uruguaia, especialmente depois do tenso embate que tiveram sobre o assunto os presidentes Luis Lacalle Pou e Alberto Fernández na reunião de cúpula de 26 de março. Se a Argentina não der o braço a torcer, "terá início um processo de deterioração total do Mercosul", afirmou Bartesaghi.
Criado há 30 anos, o bloco reúne mais de 300 milhões de habitantes e é a quinta maior economia do mundo, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), com um território de mais de 14 milhões de km².
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