Em declarações na quinta-feira, Biden "evidentemente decepcionou muitos (em Cuba) que esperavam, não que ele retornasse às políticas de (Barack) Obama, mas que reverteria as medidas mais duras e cruéis de (seu antecessor republicano Donald) Trump", explica o acadêmico e ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray à AFP.
"Sem dúvida, tinham muitas coisas (em seus anúncios eleitorais) das quais foram geradas expectativas", acrescentou.
Como candidato, Biden estava disposto a restaurar os avanços obtidos durante o governo Obama, retirando as restrições às remessas e viagens a Cuba, que fica a apenas 145 quilômetros da Flórida.
Essa semana milhares de cubanos foram às ruas aos gritos de "temos fome", "abaixo a ditadura" e "liberdade" em cidades da ilha para protestar pelas crescentes dificuldades que sofrem. Os protestos deixaram um morto, dezenas de feridos e mais de 100 presos.
Os protestos deixaram um morto, dezenas de feridos e mais de 100 detidos.
Biden e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, se responsabilizam mutuamente pela situação.
O presidente cubano acusou os EUA de instigar e financiar as manifestações, enquanto Biden se referiu a Cuba na quinta-feira como "um Estado falido que reprime seus cidadãos".
Diante da pior onda de covid-19 na ilha, Biden se ofereceu para mandar vacinas com a condição de que uma organização internacional as aplique em Cuba, o único país da região que desenvolveu seus próprios imunizantes.
Ele deixou claro que não vai permitir o envio de doses dos Estados Unidos. "Não faria isso agora" porque é provável que "o governo confisque essas remessas ou uma grande parte delas", afirmou.
Com essas declarações "demonstra uma ignorância total da situação cubana", disse Alzugaray.
- "As mudanças não foram vistas" -
"Um Estado falido é aquele que, para satisfazer uma minoria reacionária e chantagista, é capaz de multiplicar o dano para 11 milhões de seres humanos", respondeu nesta sexta-feira no Twitter o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel.
"Se Biden tivesse uma sincera preocupação humanitária pelo povo cubano, poderia eliminar as 243 medidas aplicadas pelo presidente Donald Trump, incluindo as mais de 50 impostas cruelmente durante a pandemia", acrescentou, referindo-se ao embargo que Estados Unidos impuseram a Cuba desde 1962, retomado durante o governo de Trump (2017-2021).
Para Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, um centro de pesquisa com sede em Washington, "os protestos colocaram Cuba na agenda de Washington novamente. Mas ao mesmo tempo tornaram muito difícil, senão impossível, para o governo Biden suspender as medidas punitivas" tomadas por seu antecessor.
Seis meses depois de chegar à Casa Branca, "as mudanças (na política dos EUA) não foram vistas, as medidas de bloqueio ainda estão em vigor", lamentou o chanceler Bruno Rodríguez nesta semana.
- "Política estagnada" -
A ala direita do exílio cubano exige mão pesada sobre Havana, como golpe final.
Se Biden tentar "suavizar e flexibilizar" esta política para uma "abordagem mais humanitária, será duramente criticado pelos republicanos, por ceder demais ao governo. A política está estagnada", conclui Michael Shifter.
No entanto, o arquiteto da aproximação com Cuba no governo de Barack Obama, o ex-conselheiro de Segurança Nacional, Ben Rhodes, exigiu ações de Biden na terça-feira.
"Os cubanos expressaram com valentia suas frustrações e exerceram seus direitos universais de formas verdadeiramente inspiradoras. Deveríamos pensar principalmente no quê podemos fazer para ajudá-los", disse, sugerindo o envio de alimentos, medicamentos e permitir o envio de vacinas.
O lobby anti-embargo Cuban Americans For Engagement (CAFE), com sede em Nova York, expressou em um comunicado sua mais "profunda preocupação" com os protestos e disse entender a "frustração" do povo no "pior momento".
Mas reiterou que o governo de Biden é "hipócrita" por oferecer "seu apoio ao povo de Cuba, enquanto aplaude as revoltas".
"Se eles se importam tanto com os cubanos, que retirem as sanções, pelo menos as mais urgentes, o que ajudará nossos familiares e amigos a lidarem melhor com a pandemia".
"Não temos mais 60 anos para desperdiçar", afirmou.
HAVANA