Poucos dias antes, ele havia saído às pressas sem levar nada. "As balas atingiam nossa casa", conta Sadeq nesta terça-feira (27), refugiado em um dos centros não oficiais abertos na cidade para acomodar os deslocados pelos conflitos.
"Ontem fui para casa, mas os talibãs estavam lá", acrescenta. "Nem me deixaram entrar."
Como ele, dezenas de milhares de habitantes dos subúrbios de Kandahar fugiram dos combates entre as forças afegãs e os insurgentes, que por várias frentes se aproximam da cidade, a segunda mais populosa do Afeganistão, depois de Cabul, com 650 mil habitantes.
Segundo as autoridades, no último mês 22 mil famílias - ou seja, cerca de 150 mil pessoas - chegaram de carro, ônibus, caminhão ou mesmo a pé ao centro de Kandahar, optando por um futuro incerto e condições de vida espartanas em um acampamento rudimentar, para escapar dos perigos da guerra.
"Perdi meus dois filhos em uma explosão, bem na frente da minha casa", diz Bibi Aicha, instalada em um campo montado dentro de um abrigo para peregrinos do Haje, próximo ao aeroporto.
"As ruas do meu bairro estavam cheias de restos humanos", continua. Ao fundo, muitas crianças brincam em meio à poeira e algumas mulheres colocam água para ferver.
Mais adiante, um jovem lava roupas em uma bacia de plástico e um grupo de homens toma seu chá, tentando, em vão, espantar as incansáveis moscas.
O Talibã vem realizando uma grande ofensiva desde maio, em paralelo à retirada das forças internacionais do Afeganistão (que está prestes a terminar), após vinte anos de apoio ao exército afegão.
- "Os Estados Unidos não estão mais aqui!" -
Depois de ocupar extensas zonas rurais, os insurgentes têm se aproximado de vários núcleos urbanos, como Kandahar, capital da província de mesmo nome.
A queda desta cidade, berço do Talibã e epicentro de seu regime quando governou o Afeganistão (1996-2001) e impôs sua versão ultra-rigorosa da lei islâmica, representaria um desastre para as autoridades afegãs.
Até agora, as forças afegãs têm apresentado uma fraca resistência e às vezes até abandonado, sem lutar, vastas áreas rurais que passaram a ser controladas pelos rebeldes.
Além da capital Cabul, o exército afegão controla praticamente só as capitais provinciais, que terá de defender a todo custo.
O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) alertou recentemente que uma possível catástrofe humanitária se aproxima no Afeganistão, lembrando que, até o momento este ano, cerca de 270 mil afegãos tiveram que deixar suas casas, principalmente por causa dos combates.
Um número, porém, que leva em consideração apenas uma parte do fluxo incessante de deslocados que chegam todos os dias a Kandahar.
E nos acampamentos rudimentares de Kandahar, que rapidamente ficaram superlotados, já estão surgindo problemas de saúde.
"Tratamos de 250 a 300 pacientes todos os dias", afirma o médico Mohammad Aref Shekib. Muitos deles são "crianças com diarreia, gripe e doenças de pele. Estamos sobrecarregados", comenta.
Sayed Mohmmad e sua família escaparam da violência levando apenas "algumas roupas". "São os civis que mais sofrem" com o conflito, frisa.
Alguns, como Feroza, culpam os talibãs. "Contra quem eles estão lutando? Estão travando sua guerra santa contra nós, os pobres", declara a mulher, recordando que os militares dos EUA já retiraram do país quase todos os 2.500 soldados que tinham destacados no Afeganistão.
"Os Estados Unidos não estão mais aqui, não há mais infiéis. Todos aqueles que foram expulsos de suas casas são muçulmanos", insiste. "O Talibã é cruel, eles não têm misericórdia. Se tivessem misericórdia, não estaríamos desabrigados."
audima