Um vídeo publicado no TikTok pelo adolescente Lucas Santos, de 16 anos, tem sido compartilhado em diversas plataformas. A publicação ganhou destaque após a mãe do jovem, a cantora Walkyria Santos, relatar que o vídeo foi um gatilho para que o filho tirasse a própria vida.
No vídeo, o adolescente simula que vai beijar um amigo da mesma idade. A publicação gerou comentários ofensivos, comentou a mãe de Lucas após a morte do filho.
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O amigo de Lucas que aparece no vídeo fez um texto em homenagem ao rapaz.
"Você vai ficar marcado no meu coração pra sempre. Nunca vou te esquecer. Te amo mais que tudo, nunca vou esquecer nossos momentos juntos. Nossa química que todos diziam que era grande. Que mais de 750 mil pessoas falavam que a gente era um casal sem a gente ser. A brincadeira e alegria que você me deu com um TikTok foi perfeita. Agradeço por tudo que você fez por mim. Minha nova estrelinha está brilhando e dando alegria ao céu. Você está comigo para sempre. Você sempre vai ter um lugar no meu coração", escreveu.
Ainda que tenha sido citado como uma situação que despertou gatilho para a morte de Lucas, que segundo a mãe recebia acompanhamento psicológico havia algum tempo, o vídeo em que ele aparece com o amigo continua sendo compartilhado massivamente em diferentes redes sociais.
A BBC News Brasil ouviu uma psicóloga e um psiquiatra que alertaram: o ideal é não compartilhar esse vídeo.
'As pessoas fazem compartilhamento sem reflexão'
A psicóloga Karen Scavacini, que fundou um instituto de prevenção ao suicídio, o Vita Alere, afirma que as pessoas deveriam refletir antes de compartilhar o vídeo.
"Provavelmente eles eram amigos e agora esse menino está sendo exposto. As pessoas fazem compartilhamentos sem reflexão. Se tem mais pessoas no vídeo (além do Lucas), já deveria haver uma reflexão: será que vou expor outra pessoa ao compartilhar?", diz à BBC News Brasil.
"E por que as pessoas têm tanta necessidade de compartilhar isso? O menino do vídeo com certeza está sofrendo essa morte do colega", acrescenta a psicóloga.
Karen afirma que muitas pessoas precisam aprender a lidar melhor com as redes. "Acho que deveria haver uma matéria de educação socioemocional sobre as redes (nas escolas), para aprender a fazer bom uso delas desde cedo, no sentido de conteúdo consumido e tempo na rede", declara.
O psiquiatra Fernando Mitsuo Sumiya, especialista em infância e adolescência, avalia que o compartilhamento do vídeo pode trazer problemas ao outro jovem que aparece na publicação.
"Esse jovem vai ficar exposto a bastante especulação. Então, se ele não tiver um bom apoio, a depender de como ele tem resiliência, pode entrar num quadro depressivo ou de ansiedade. Isso vai depender muito de como esse jovem vai lidar com esse assunto", comenta.
Sumiya considera que além da falta de sensibilidade ao propagar o vídeo, o compartilhamento desse material também pode remeter a um "efeito Werther" — termo usado desde o século 18, em referência à obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, do alemão Johann Wolfgang von Goethe, para definir quando o número de suicídios cresce após um caso ser amplamente divulgado.
"Se estamos compartilhando um vídeo que foi gatilho para a morte de um adolescente, podemos dizer: olha como esse adolescente resolveu um bullying que ele sofreu", diz Sumiya.
Para o psiquiatra, além de não compartilhar o vídeo, é fundamental que as pessoas usem casos como o de Lucas para abrir espaço para conversar sobre os cuidados com a saúde mental.
Diversos fatores
Por trás de um suicídio há diversos fatores e isso nunca acontece por culpa de alguém, afirma Karen.
"Há fatores que podem ser a gota d'água, como o vídeo pode ter sido no caso do Lucas — mas talvez nunca seja possível afirmar com certeza. Mas, em geral, o suicídio pode estar relacionado a causas psicológicas, psiquiátricas, sociais, culturais, econômicas e culturais", explica.
Ela relata que foi importante a mãe de Lucas comentar que percebeu sinais de que o filho precisaria de ajuda e o encaminhou para uma psicóloga, como a cantora disse no vídeo em que desabafou sobre a morte do garoto.
"É importante também que haja uma equipe multiprofissional e com a família incluída", explica a psicóloga.
Ela ressalta: quando um jovem fala sobre intenções suicidas, é fundamental levar a sério. "Se você desconfia disso, precisa agir, oferecendo ajuda e ouvindo esse jovem sem julgamento", relata a psicóloga.
"Em dado momento, qualquer pessoa pode perguntar se o jovem está fazendo algo com ele ou se já pensou em se machucar. Se a resposta for positiva, aumentam os riscos. Se o jovem disser que está pensando em fazer algo com ele e já sabe como, ele precisa de atendimento urgente", diz.
Nem sempre esses sinais são notados, diz a especialista. Mas ela pontua situações que podem apontar indícios com os quais os pais devem ficar atentos:
mudança brusca de comportamento, isolamento, aumento da agressividade, aumento ou início do uso de álcool e drogas, declínio do rendimento escolar, sensação constante de que nada está bom, perda de prazer em atividades que antes gostava e a sensação de que a vida perdeu o brilho.
"Os jovens podem falar sobre o assunto tanto em posts nas redes sociais como para amigos. Os sinais verbais e posts em redes sociais precisam ser observados", comenta a psicóloga.
É fundamental que pessoas próximas a jovens que apresentem sinais busquem ajuda o quanto antes, por meio de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. E se necessário, buscar onde há atendimento gratuito na região.
Culpa da internet?
Junto com a internet, surgiu também o cyberbullying. O que antes se resumia a ambientes escolares ou locais de convívio com outros jovens passou a ser algo que pode ocorrer a qualquer momento, até mesmo se o jovem estiver em casa.
"Com o cyberbullying, isso ultrapassou os muros da escola e agora pode ocorrer o tempo todo nos aparelhos dos jovens", diz a psicóloga.
Ela ressalta ainda que pela internet é mais fácil para os jovens pesquisarem sobre métodos para o suicídio.
"Mas a gente não pode pensar na rede social e na internet como um incentivo (ao suicídio). A gente vê conteúdos que podem ser prejudiciais, como o discurso de ódio. Mas existem vários outros fatores, como a crise econômica, dificuldades para achar emprego, questões relacionadas à orientação sexual, depressão, transtorno bipolar (que podem estar relacionadas ao suicídio)".
"Dentro da psicologia, a gente entende que essa pessoa está dentro de três Is: ela sente que as coisas são intoleráveis, acredita que o sofrimento é interminável e inescapável", explica.
Fernando Sumiya também aponta que não é possível culpar a internet, por se tratar de um problema social. "A internet é uma excelente ferramenta, porque conecta as pessoas, mas acho que não somos educados o suficiente. Se a internet não existisse, as pessoas estariam mais isoladas", comenta.
"A internet é um instrumento. O fato representa sobre como a sociedade está doente e não está sabendo lidar com as ferramentas que, teoricamente, serviriam para o bem comum", completa o psiquiatra.
Em nota à BBC News Brasil, o TikTok lamentou a morte de Lucas e disse que se preocupa em remover comentários de ódio da plataforma.
"Estamos profundamente tristes com esta tragédia. Temos como nossa principal prioridade dar apoio ao bem-estar da nossa comunidade e fomentar um ambiente acolhedor e inclusivo, onde todos se sintam seguros para se expressar de forma autêntica. Comentários de ódio, que violam nossas políticas e prejudicam nossa comunidade, são removidos da nossa plataforma. Também trabalhamos com especialistas, como o CVV, para dar apoio e oferecer recursos para qualquer pessoa que possa estar passando por um momento difícil.
Enviamos nossos sentimentos mais sinceros para a família e amigos do Lucas", diz nota da rede social.
* O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br
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