Os passageiros que foram forçados a deixar o voo 149 da British Airways em 2 de agosto de 1990, durante uma escala no Kuwait, querem que o governo britânico admita a responsabilidade, peça desculpas e divulgue um relatório secreto sobre o que realmente aconteceu.
Um novo livro, "Operação Cavalo de Tróia", afirma que as autoridades britânicas usaram o voo para enviar nove agentes da inteligência ao Kuwait mesmo sabendo que civis corriam o risco de serem capturados.
Seu autor, Stephen Davis, garante que o avião pousou apesar de Londres ter recebido informações dos Estados Unidos anunciando a invasão do Iraque três horas e 45 minutos antes, e que a torre de controle do Iraque havia rejeitado todos os outros voos daquela noite.
Logo depois, aviões iraquianos lançaram bombas na pista de pouso, antes que tanques e soldados cercassem o aeroporto do Kuwait, cujas defesas capitularam.
Alguns dos 367 passageiros e tripulantes deste voo, com destino a Kuala Lumpur, passaram mais de quatro meses detidos.
Eles foram levados a locais no Iraque considerados possíveis alvos da coalizão militar ocidental. Um deles, Barry Manners, de 55 anos, estava viajando com sua então esposa para a Malásia.
Essa semana, Manners disse que "a conspiração do silêncio" sobre o que aconteceu destruiu sua confiança nas autoridades.
"É a antítese dos valores que aprendemos, a essência da sociedade ocidental", comentou à AFP.
Outra passageira, Margaret Hearn, de 65 anos, concorda: "Eu confiava na British Airways, mas o que aconteceu me chocou. Felizmente eu escapei, mas não foi por causa deles".
- Pensamentos niilistas -
Revivendo seu tempo como refém, Manners relatou que fez amizade com seu captor, um engenheiro da represa Dukan, no norte do Iraque, mas que temia a falta de comida e que os guardas fossem obrigados a atirar nos prisioneiros.
"Você se recusa a acreditar que vai ser solto, tem essas ocorrências falsas e isso te enfraquece", comentou no lançamento do livro de Davis.
Após quatro meses de detenção, retornou a Londres, mas sofreu problemas psicológicos após a morte de sua companheira em 1992.
"Houve momentos em que pensamentos niilistas se tornaram intrusivos. Não havia alegria no mundo", comentou.
"É difícil saber quanto foi do luto e quanto foi do trauma do Iraque, foi uma combinação tóxica".
Hearn foi transferida do Kuwait para Basra, Bagdá e dois centros de detenção no deserto iraquiano durante suas cinco semanas de cativeiro.
Uma fotografia de seus dois filhos pequenos sempre a fazia chorar, lembrou, mas o tédio gradualmente substituiu o terror.
"Eu me sentia entorpecida. Você para de sentir as coisas, não consegue manter aquela intensidade de medo e preocupação", acrescentou.
Hearn contou ainda como os detidos fizeram amizade com os guardas jogando futebol ou durante as refeições. Muito diferente das "histórias de terror" de roubos, execuções simuladas e fome que, segundo Davis, foram infligidas a alguns prisioneiros.
"Éramos um presente para Saddam. Lidei com isso colocando-o em uma caixa para nunca mais olhar. Nunca mais quero ficar com tanto medo de novo", disse.
O cardiologista Richard Balasubaramian, de 49 anos, passou duas semanas detido em um hotel do Kuwait.
As autoridades da Malásia ofereceram a Balasubaramian a chance de fugir, porque parte de sua família é malaia, mas ele teve que fazer duas sufocantes viagens de ônibus de 20 horas pelo deserto até a Jordânia.
"Foi surreal, foi assustador. Nos sentimos culpados por deixar as pessoas que ficaram para trás", lembrou.
- Negação -
A versão de Davis é apoiada por um ex-diplomata britânico da embaixada no Kuwait, que afirma que as autoridades contornaram os canais normais para executar o plano mal concebido de transferir pessoal de inteligência.
Um atraso de duas horas na partida do aeroporto de Heathrow em Londres, supostamente devido a um problema de ar-condicionado, permitiu que os funcionários britânicos embarcassem no último minuto.
Ele acrescentou que a então primeira-ministra Margaret Thatcher mentiu ao Parlamento e a British Airways pressionou a tripulação e os passageiros a encerrarem o assunto.
A companhia aérea britânica não respondeu ao pedido da AFP por um comentário. A empresa e o Ministério da Defesa do Reino Unido negaram as acusações de negligência, conspiração e encobrimento.
Em 2003, um tribunal francês ordenou que a British Airways pagasse 1,67 milhão de euros (US $ 2 milhões) aos reféns franceses no voo, dizendo que ela "falhou gravemente em suas obrigações" ao pousar no Kuwait.
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