Na noite desta terça, a Câmara dos Deputados proferiu um duro golpe contra Bolsonaro ao rejeitar e arquivar a proposta de emenda à Constituição (PEC) que propunha o voto impresso nas eleições, plebiscitos e referendos.
O presidente tem criticado duramente, sem evidências, a confiabilidade do sistema eletrônico de votação no país, em vigor desde 1996.
Junto com os comandantes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e alguns ministros, Bolsonaro observou o comboio de veículos militares do alto da rampa do Palácio do Planalto, com vista para o Congresso e para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Formalmente, o evento foi organizado para que membros das Forças Armadas entregassem ao presidente o convite para um exercício militar que ocorre anualmente desde 1988, a cerca de 80 quilômetros da capital.
Fora de qualquer data pátria, porém, o desfile dos blindados e de outros veículos militares pela região central de Brasília, sede dos Três Poderes, é apontado por observadores como algo inédito desde a redemocratização no país e como um gesto de força de Bolsonaro, cada vez mais acossado por investigações judiciais e com sua popularidade em declínio.
"O presidente usa o desfile dos blindados como uma tentativa de intimidação ao STF e ao Congresso, para mostrar que as Forças Armadas estão ao seu lado e que apoiam suas demandas, mesmo as mais controversas, como o retorno do voto impresso", disse à AFP o professor de Ciência Política Maurício Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
- "Assunto enterrado" -
O desfile militar coincide também com a discussão no Congresso Nacional de uma proposta para modificar o sistema de votação eletrônica, atual alvo das críticas do presidente.
Tanto Bolsonaro quanto a Marinha, que organiza o exercício militar, negam qualquer relação entre o desfile e as presentes discussões legislativas.
Bolsonaro quer que as urnas eletrônicas passem a imprimir um recibo dos votos, para que possam ser contados fisicamente.
O presidente garante que houve fraude nas últimas duas eleições presidenciais e que ele deveria ter vencido já no primeiro turno, em 2018. Segundo a Justiça eleitoral e vários especialistas, as alegações são completamente infundadas.
"Espero que esse assunto esteja definitivamente enterrado", declarou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, um aliado de Bolsonaro, após a votação.
Para que a PEC avançasse, o texto precisava de 308 votos favoráveis, mas recebeu 229.
Apesar da derrota, "a questão do voto impresso continuará como plataforma de sua campanha, reforçando a ideia de que ele é o homem contra o sistema e que será necessário um novo mandato e um novo Congresso para aprová-lo", explicou à AFP Creomar Da Souza, da consultoria Dharma.
- Uso inédito das Forças Armadas
Nas últimas semanas, o presidente intensificou seus ataques ao Supremo e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujos juízes acusa de quererem prejudicá-lo em sua tentativa de reeleição, em 2022.
Os repetidos questionamentos de Bolsonaro sobre a legitimidade das eleições levaram a Justiça eleitoral e o STF a abrir investigações contra ele.
O presidente também enfrenta uma investigação por suspeitas de que ignorou acusações de corrupção na negociação, por parte de seu governo, de doses da vacina indiana Covaxin.
Bolsonaro chegou a ameaçar usar um "antídoto" fora da Constituição contra esses procedimentos judiciais, os quais ele considera ilegais.
Desde que assumiu o poder, em janeiro de 2019, Bolsonaro nomeou vários militares em diferentes ministérios e outros postos-chave do governo.
Para o professor Maurício Santoro, cada vez mais as Forças Armadas estão aceitando participar das "manobras políticas" de Bolsonaro, algo inédito desde o fim da ditadura no Brasil (1964-1985).
"Desde a redemocratização, os presidentes buscaram evitar conflitos com os militares, mas nenhum quis usá-los desse modo, pois havia o receio da elite política civil com os riscos de partidarização das Forças Armadas, algo que havia ocorrido com frequência ao longo do século XX. Bolsonaro rompe esse consenso", afirma Santoro.
Durante o desfile dos tanques, que durou cerca de 10 minutos, dezenas de apoiadores do governo se reuniram em frente ao Planalto. Alguns levavam faixas, pedindo uma intervenção militar para "salvar o Brasil".
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