Jornal Estado de Minas

TRAGÉDIA

Repórter do EM relata miséria em primeiro terremoto do Haiti, em 2010

Pisar em Porto Príncipe, na capital do Haiti, o país mais miserável das Américas é aterrador até para o brasileiro mais acostumado a cobrir as misérias da amazônia aos pampas. O que consideramos barraco é de longe moradia rica para aquele povo, tamanha a sua precariedade. Após o terremoto que matou cerca de 200 mil pessoas e arrasou todas as infraestruturas fazendo desabar inclusive o palácio presidencial, o país inteiro ficou sob ruínas.



Fiz a cobertura naquele ano a partir da Base Brasileira (Brabat), com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já que nosso país tinha o mandato de segurança da ONU para a pacificação haitiana desde 2008, sob a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH).

Ao todo, 37.449 militares brasileiros participaram da operação – que durou 13 anos e 137 dias. Impressionava como eram precários e depois ainda mais destruídos os sitemas sanitários da capital, com os esgotos a céu aberto jorrando como chafarizes. Tudo isso depois se degradou ainda mais com os desabamentos trazidos pelo tremor de terra.

 

 

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O mesmo lugar de se fazer as necessidades era onde os haitianos se abasteciam (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
O primeiro país das Américas a se tornar independente de sua metrópole (a França) estava tão arruinado que as pessoas urinavam sobre valas onde metros mais adiante a mesma água era usada para banho e cozinhar.



Um desespero que nos fazia, de dentro de coletes balísticos dos fuzileiros navais brasileiros, repartir chocolates, chicletes ou qualquer outra coisa mastigável. A miséria era tanta que cheguei a ver crianças misturando lama com manteiga para fazer biscoitos e comer.

Na fome, até biscoitos de lama com manteiga eram consumidos (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
Com o terremoto, muitos dos brasileiros que trabalhavam nas obras de infraestrutura se feriram ou perderam a vida, mas ainda assim éramos muito bem-vindos naquele país, que só conheceu quem lhes tirasse e nunca lhes estendesse a mão.

A palavra que mais se ouvia entre os nativos após gestos que dedilhavam suas bocas era "manger" (comida, em francês, a segunda língua local, após o creole). Ninguém dormia mais em casa por medo de ser soterrado, espalhando um aglomerado de barracas brancas da ONU por todas as ruas. E esse medo perdurou até a minha partida. Até bandeiras nacionais e dos Estados Unidos eram usadas para fazer esses abrigos.



Repórter Mateus Parreiras durante a cobertura do terremoto de 2010 (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
O Haiti é tão pobre, que mesmo sendo tropical, essas pessoas morriam de frio. O motivo: praticamente todas as árvores da ilha foram destruídas na colonização e anos posteriores, fazendo daquele um país que sequer lenha tinha. Muita tristeza imaginar aquele esforço que o Brasil fez e saber que novamente os haitianos passam por tamanha tragédia.

audima