A retirada dos Estados Unidos do Afeganistão e o avanço fulminante do Taleban para controlar o país abriram o caminho para uma disputa entre China e Rússia por influência na Ásia Central. Enquanto Pequim aposta no seu peso econômico, Moscou usa a cooperação militar com as ex-repúblicas soviéticas para projetar seu poder na região.
Especialistas indicam duas razões principais para a entrada de chineses e russos no cenário geopolítico afegão. A primeira é o vácuo de poder deixado pelos americanos. Moscou viu nele uma oportunidade de projetar mais influência na Ásia Central, já que o Afeganistão é cercado por ex-repúblicas soviéticas, como Tajiquistão, Usbequistão e Turcomenistão.
Por ser um ponto de passagem entre Oriente Médio, sul da Ásia e Ásia Central, o Afeganistão é também um ativo estratégico para a China e sua Nova Rota da Seda, a rede de estradas, pontes, ferrovias e portos patrocinada pelo governo chinês em vários países na Ásia, Oriente Médio e África.
Além disso, o ressurgimento do Taleban preocupa chineses e russos, que têm um histórico de repressão a minorias islâmicas em seu próprio território. Mesmo as antigas repúblicas soviéticas estão na gênese de muitos movimentos radicais islâmicos que influenciaram o Taleban e a Al-Qaeda, como o MIU (Movimento Islâmico do Usbequistão).
"A crise no Afeganistão preocupa muito os países da Ásia Central, que há muito tempo têm problemas com militantes islâmicos que várias vezes foram treinados pelo Taleban", explica Vanda Felbab-Brown, pesquisadora do Brookings Institution. "A Rússia conseguiu do Taleban o compromisso de impedir esses militantes de agirem na região e tem influência em termos financeiros e políticos entre líderes políticos e tribais no Afeganistão para assegurar seus interesses."
Na semana passada, soldados russos fizeram exercícios conjuntos com militares de Tajiquistão e Usbequistão e anunciaram programas de parceria com as duas ex-repúblicas. Moscou tem se aproximado do Taleban desde 2018, na expectativa de o grupo impedir a infiltração de jihadistas em áreas de minoria islâmica na Rússia.
"O Kremlin age para garantir a segurança de seus aliados na Ásia Central", lembrou ao Financial Times o cientista político russo Arkadi Dubnov, especialista na região. "É uma questão de imagem. Putin tem de convencer seus aliados que só ele pode garantir sua segurança."
A China, por sua vez, tem interesses econômicos e estratégicos no Afeganistão, e ambos foram facilitados pela saída de cena dos americanos. Dois projetos de infraestrutura da Nova Rota da Seda passam pelo Afeganistão: uma estrada que ligará Cabul a Peshawar, no Paquistão, e outra rodovia que conectará a Província de Xinjiang, de maioria muçulmana, ao Afeganistão e ao Paquistão.
"Quando essas obras forem concluídas, Pequim poderá alcançar sua meta de aumentar o comércio e a extração de recursos naturais no Afeganistão", afirma Derek Grossman, da consultoria Rand. "Estima-se que o país tenha reservas imensas de metais raros, cruciais para a indústria de ponta chinesa."
Os interesses chineses e russos na Ásia Central, no entanto, não coincidem e podem provocar rivalidades no futuro. "A Rússia tem cumprido um papel de oferecer segurança a esses países e os define como área de influência", acrescenta Vanda Felbab-Brown. "Já a China tem feito ofensivas diplomáticas e econômicas na região, o que Moscou vê como contrário a seus interesses."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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