O poderoso Império Britânico fez sua tentativa no século 19, quando era a superpotência mundial, mas em 1919 teve que deixar o Afeganistão e conceder a independência ao país.
Depois foi a vez da União Soviética, que em 1979 invadiu o país com a intenção de manter o comunismo no poder (instituído por meio de um golpe em 1978) - demorou 10 anos para eles perceberem que não venceriam aquela guerra.
Os britânicos e soviéticos têm em comum que, ao invadirem o Afeganistão, possuíam impérios de primeira ordem e logo depois começaram a desmoronar.
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Biden defendeu a retirada das tropas, alegando que os americanos não deveriam "lutar uma guerra que afegãos não querem lutar". Argumentou que "força militar alguma jamais alcançaria um Afeganistão estável, unido e seguro" e lembrou que o país é conhecido como um "cemitério de impérios".
O Afeganistão tem sido o cemitério dos exércitos mais poderosos dos últimos séculos, que tentaram controlá-lo - com aparente sucesso no início de suas respectivas invasões, mas que depois tiveram que fugir do país.
"Não é que os afegãos tenham muito poder, o que aconteceu no Afeganistão foi culpa dos próprios impérios invasores, da patologia imperial e de suas limitações", disse o analista de defesa e política externa David Isby à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Isby diz que o Afeganistão é, "de um ponto de vista objetivo", um lugar difícil: é uma nação complexa, com infraestrutura muito pobre, desenvolvimento limitado e sem saída para o mar.
"Mas os impérios, seja soviético, britânico ou os EUA, não mostraram flexibilidade ao lidar com o Afeganistão. Eles queriam e tinham que fazer as coisas do seu jeito e nunca conseguiram entender a complexidade do país", acrescenta.
É comum ouvir que o Afeganistão é "impossível de conquistar" - uma afirmação errada: os persas, os mongóis e Alexandre, o Grande, fizeram isso no passado.
O certo é que é uma aventura que custou muito a quem tentou. E os últimos três impérios que tentaram invadir Cabul simplesmente falharam.
O Império Britânico e suas três invasões
Durante grande parte do século 19, o Afeganistão foi o palco central do "Grande Jogo" entre os impérios britânico e russo para controlar a Ásia Central.
Por décadas, Moscou e Londres travaram uma luta diplomática e política que os britânicos acabaram vencendo, mas a um preço alto. O Reino Unido tentou invadir o país três vezes entre 1839 e 1919, e pode-se dizer que falharam nas três vezes.
Na Primeira Guerra Anglo-Afegã - que começou quando os britânicos capturaram Cabul em 1839 com medo de que a Rússia fizesse isso antes deles -, Londres sofreu talvez sua maior humilhação da história: o exército daquela que era então a nação mais poderosa do mundo estava completamente destruída por tribos com armas muito simples.
Após três anos de invasão, os afegãos finalmente forçaram as forças invasoras a deixar a capital, e a retirada resultou em tragédia.
Apenas um cidadão britânico sobreviveu, entre um grupo de mais de 16 mil pessoas que deixaram um acampamento militar britânico em 6 de janeiro de 1842 com a intenção de ir para Jalalabad (cidade a leste de Cabul).
"Essa guerra enfraqueceu o avanço da expansão britânica para o subcontinente e também afetou a narrativa de que os britânicos eram invencíveis", explica Isby.
Quase quatro décadas depois, o Reino Unido tentou novamente com um pouco mais de sucesso.
A Segunda Guerra Anglo-Afegã, que ocorreu entre 1878 e 1880, terminou com o Afeganistão se tornando um protetorado britânico, mas Londres foi forçada a abandonar sua política de manter um ministro residente em Cabul.
Em vez disso, selecionou e apoiou um novo emir afegão e retirou suas tropas do país. Mas em 1919 uma terceira guerra estourou quando um novo emir afegão declarou sua independência da influência britânica.
Naquela época, a Revolução Bolchevique havia reduzido a ameaça russa e, ao mesmo tempo, a Primeira Guerra Mundial paralisou os gastos militares britânicos, de modo que o interesse no Afeganistão diminuiu.
Por isso, após quatro meses de batalhas, Londres acabou reconhecendo a independência do país.
Embora oficialmente os britânicos não estivessem mais no Afeganistão, considera-se que eles mantiveram sua influência por muitos anos mais.
O Vietnã da União Soviética
Durante a década de 1920, o emir Amanullah Khan tentou reformar o país e, entre outras medidas, aboliu a burca tradicional para mulheres. A série de reformas perturbou algumas tribos e líderes religiosos, desencadeando uma guerra civil.
As tensões no país asiático decorrentes de lutas pelo poder continuaram por décadas até que a União Soviética invadiu o país em 1979 para manter no poder um governo comunista profundamente fragmentado.
Vários grupos mujahideen (extremistas religiosos) se opuseram aos soviéticos e começaram a combatê-los, com dinheiro e armas fornecidas por Estados Unidos, Paquistão, China, Irã e Arábia Saudita.
Moscou lançou ataques terrestres e aéreos com a intenção de destruir aldeias e plantações em áreas que considerou problemáticas e a população local foi forçada a fugir de suas casas ou morrer.
A invasão russa foi a mais sangrenta de todas, deixando cerca de 1,5 milhão de mortos e cerca de 5 milhões de refugiados.
Em algum ponto, as forças soviéticas conseguiram controlar as principais cidades e vilas maiores, mas os mujahideen se moviam com relativa liberdade em muitas áreas rurais.
As tropas soviéticas tentaram esmagar a insurgência com várias táticas, mas os guerrilheiros geralmente conseguiam evitar seus ataques.
O país estava em ruínas.
O então líder soviético Mikhail Gorbachev percebeu que não poderia continuar a guerra enquanto tentava transformar a economia russa e decidiu retirar suas tropas em 1988, mas a imagem do país nunca foi recuperada.
O Afeganistão se tornou o Vietnã da União Soviética. Foi uma guerra cara e vergonhosa, na qual apesar de usar todos os seus músculos, a União Soviética foi derrotada e humilhada pelos guerrilheiros locais.
"Os soviéticos reivindicavam poder legítimo no Afeganistão, precisamente numa época em que havia contradições sérias e fundamentais no sistema soviético, em seu governo e em seu exército", diz o analista David Isby. "Esse foi um dos grandes erros dos soviéticos."
A União Soviética caiu pouco depois.
Os Estados Unidos e sua retirada "desastrosa"
Após as intervenções fracassadas do Reino Unido e da União Soviética, os Estados Unidos lideraram uma nova invasão do Afeganistão em 2001, prometendo apoiar a democracia e eliminar a ameaça terrorista da Al Qaeda, após os ataques de 11 de setembro.
Como as duas potências invasoras anteriores, Washington conseguiu tomar Cabul rapidamente e forçou o Talebã a entregar o poder.
Três anos depois, um novo governo afegão assumiu a presidência, mas os ataques sangrentos do Talebã continuaram.
O ex-presidente Barack Obama anunciou um aumento de tropas em 2009 que ajudou a repelir o Talebã, mas não por muito tempo.
Em 2014, que acabou sendo o ano mais sangrento da guerra desde 2001, as forças da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) cumpriram sua missão e delegaram a responsabilidade pela segurança ao exército afegão.
Essa ação permitiu ao Talebã conquistar mais territórios.
No ano seguinte, o grupo continuou a ganhar força e lançou uma série de atentados suicidas. Houve ataques ao prédio do parlamento em Cabul e outro nas proximidades do aeroporto internacional da capital.
De acordo com Isby, muitas coisas deram errado na invasão americana.
"Apesar dos esforços militares e diplomáticos, um dos principais problemas foi que nem os Estados Unidos nem a comunidade internacional conseguiram fazer o Paquistão abandonar sua guerra de poder, que se mostrou exitosa", disse ele. "Acabou sendo mais bem-sucedida do que as armas."
Enquanto a invasão soviética foi muito mais sangrenta, a americana teve custos financeiros mais altos.
Os soviéticos gastaram cerca de US$ 2 bilhões por ano no Afeganistão, enquanto entre 2010 e 2012 o custo da guerra para os EUA subiu para quase US$ 100 bilhões por ano, segundo dados do próprio governo dos Estados Unidos.
E a queda de Cabul também foi comparada aos eventos no Vietnã do Sul.
"Este é o Saigon de Joe Biden", tuitou a congressista republicana Elise Stefanik. "Um fracasso desastroso no cenário internacional que nunca será esquecido."
Com a retirada das tropas americanas e o consequente triunfo do Talebã, o mundo enfrenta uma nova crise humanitária com milhares de refugiados que terão que encontrar um novo lar.
"No médio prazo, será necessário ver se um regime do Talebã pode ser integrado à comunidade internacional, sobre o que tenho grandes dúvidas", disse David Isby.
E se ficar impossível para a comunidade internacional lidar com o Talebã, será necessário ver se outra potência corre o risco de se aventurar em uma nova invasão do Afeganistão, o cemitério dos impérios.
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