Seus organizadores afirmam que é a maior mobilização indígena na história do Brasil, com 6.000 membros de 170 etnias diferentes acampando desde domingo (22) na região central da capital.
Vestidos com trajes típicos, ao som de música e de instrumentos tradicionais, os manifestantes marcharam até o STF, que havia planejado começar a abordar um caso que terá repercussão em dezenas de litígios sobre suas reservas naturais.
No entanto, os onze juízes do tribunal se estenderam debatendo outro caso da pauta e não chegaram a discutir o expediente das terras indígenas, que será analisado na quinta-feira ou nas sessões seguintes, quando encerrarem o caso atual.
Os indígenas, que pretendem ficar em Brasília até sábado, também protestam contra o que consideram uma "perseguição sistemática" por parte do governo de Jair Bolsonaro desde que chegou ao poder em 2019.
"Este atual governo é um governo genocida contra os povos indígenas", disse à AFP o cacique Syrata Pataxo, dos indígenas Pataxó.
"Toda humanidade hoje clama por uma Amazônia protegida. Mas esse atual governo quer que a nossa Amazônia, o pulmão do nosso mundo, seja substituída por soja e garimpo", acrescentou o líder de 32 anos.
A demonstração estava acontecendo pacificamente e os organizadores pediram aos participantes que evitassem confrontos com a polícia.
Um protesto semelhante em junho resultou em um acidente que deixou três indígenas e três policiais feridos, estes últimos com flechas.
- Expulsos com brutalidade -
O caso nas mãos do STF gira em torno do direito dos indígenas de ocuparem e preservarem suas terras ancestrais, garantido na Constituição de 1988.
O agronegócio defende que devem ser reconhecidas como terras indígenas apenas aquelas que foram ocupadas por eles quando a Constituição foi promulgada.
Em particular, o STF debate um caso sobre uma reserva no estado de Santa Catarina, mas terá repercussão geral e poderá afetar várias outras terras em disputa.
Quem reclama suas terras neste caso são os indígenas das etnias Xokleng, Guarani e Kaigang que vivem no território Ibirama-Laklano. O local perdeu parcialmente seu status de reserva depois que um tribunal de primeira instância manteve o argumento de que os grupos não viviam lá em 1988.
Os indígenas afirmam que a ditadura militar (1964-1985) os expulsou à força.
"Durante a ditadura, o estado vendeu nossas terras para fazendeiros. A razão de não estarmos lá (em 1988) é porque eles nos expulsaram e nos obrigaram a ficar em um pequeno canto" da terra, disse à AFP Ana Patte, uma ativista Xokleng de 29 anos.
- Ofensiva legal -
O julgamento, que pode durar mais de uma sessão e inclusive não ser concluído nesta semana, irá abrir um precedente legal para dezenas - e potencialmente centenas - de casos semelhantes, em um momento em que Bolsonaro e o lobby do agronegócio pressionam por mudanças legislativas em relação às áreas protegidas.
Além de um projeto que busca estabelecer o critério do "marco temporal" que os indígenas rejeitam, o governo apoia uma iniciativa para facilitar a regularização de terras públicas ocupadas ilegalmente e outra para autorizar a mineração e outras atividades extrativas em reservas indígenas.
O desmatamento teve um forte aumento desde a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder, em 2019. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, um total de 8.712 km2 de selva foi arrasado na Amazônia brasileira, uma área quase do tamanho de Porto Rico, segundo dados oficiais.
Ambientalistas afirmam que preservar os territórios indígenas é uma das melhores formas de evitar a destruição da Amazônia, recurso essencial nos esforços globais para conter as mudanças climáticas.
Bolsonaro alertou na terça-feira que, se o STF rejeitar o argumento do "marco temporal", poderá provocar um "caos".
"Tem terras que hoje são produtivas e podem deixar de sê-lo (...) Seria um caos para o Brasil".
Mas o corte de 1988 é "inconstitucional", afirma a advogada Samara Pataxo, assessora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). "Não há nada na Constituição que diga que os direitos dos povos indígenas se limitem a essa data", disse à AFP.
Atualmente 900.000 indígenas vivem no Brasil - 0,5% da população - e suas reservas ocupam 13% do vasto território nacional.
audima