Jornal Estado de Minas

RIO DE JANEIRO

No Brasil, um Bolsonaro 'golpista' e cada vez mais isolado

O presidente Jair Bolsonaro se encontra cada vez mais isolado depois das manifestações de seus apoiadores e, várias cidades do Brasil, avaliaram nesta quarta-feira (8) vários analistas, alarmados com seus discursos "golpistas".



O presidente de extrema direita não provocou o maremoto a seu favor que ele mesmo previa reunir no feriado da Independência, mas o centro de Brasília e principalmente o de São Paulo (oficialmente 125 mil manifestantes), ficaram lotados de fervorosos seguidores vestidos de verde e amarelo.

"Apesar do isolamento político, o presidente mostrou que ainda é capaz de mobilizar uma minoria barulhenta", avaliou o colunista Bernardo Mello Franco no jornal O Globo.

Nas passeatas, uma mistura heterogênea de militantes de extrema direita, pró-armas, evangélicos, motociclistas, conspiracionistas e antivacinas.

O fato de os manifestantes não serem violentos e não invadirem o Supremo Tribunal Federal (STF), ou o Congresso, como se temia - em um remake brasileiro do ataque em janeiro ao Capitólio em Washington -, foi em si um alívio.

Ainda assim, os comentaristas destacam o "tom golpista" e os gravíssimos ataques ao STF dos dois discursos belicosos de Bolsonaro, em Brasília e, principalmente, em São Paulo.



A máxima corte reagiu com firmeza ao que considerou um "atentado à democracia".

"Este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções", afirmou seu presidente, Luiz Fux. "Ninguém fechará esta corte", acrescentou.

Bolsonaro "quase lançou uma declaração de guerra ao Supremo Tribunal Federal", observa Edson Sardinha, do site Congresso em Foco.

Ele anunciou, em particular, que rejeitará as decisões do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que abriu uma investigação contra ele por divulgar notícias falsas ("fake news").

"Desde a sua eleição para a presidência em 2018, Bolsonaro tem procurado constantemente alimentar as crises. É seu modo de governar e sua forma (...) de manter a sua base eleitoral", explica o diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe, Gaspard Estrada.



- "Disposto a tudo" -

A 14 meses da eleição presidencial, Bolsonaro também atacou "a farsa" do voto eletrônico, segundo ele fraudulento, uma ladainha muito popular entre sua base de apoiadores, que, sozinha, é insuficiente para garantir sua reeleição.

Ao afirmar que "somente Deus" pode retirá-lo do poder, colocou-se fora da estrutura constitucional.

"Bolsonaro não vai abrir mão do poder facilmente. Ao manter esse comportamento golpista, ele está disposto a tudo - inclusive criar o caos no Brasil - para se manter à frente do país", avalia Estrada.

Jair Bolsonaro está em apuros. Despencou nas pesquisas, registrando apenas 24% de aprovação, o nível mais baixo em quase três anos de mandato. E todas as pesquisas o apontam como perdedor em um eventual confronto eleitoral com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).



Também está cercado de inquéritos judiciais, assombrado por investigações, e parece não ter entendido o "Brasil real".

Conforme diferentes pesquisas, em vez de querer "queimar" os juízes do STF, a maioria dos 213 milhões de brasileiros está preocupada com os preços dos alimentos que disparam com a inflação, com o desemprego que atinge pelo menos 14 milhões de pessoas e com a pandemia de covid-19 que, em breve, completará a marca de 600 mil mortos no país.

Se o dia de mobilizações reforçou a instabilidade política, também tem "um impacto muito ruim na economia e gera muitas incertezas", observou o presidente do Inter.BConsultorio, Claudio Frischtak, em entrevista à TV Globo.

Os acontecimentos se refletiram na bolsa de São Paulo, que operava em queda de mais de 3% na tarde desta quarta-feira.

- Papel do Exército -

No final, a "demonstração de força" de Bolsonaro pode ter sido uma demonstração de fraqueza.

"O presidente não tem o poder necessário para realizar um golpe de Estado militar. Ele não tem o apoio de que precisa", diz Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), em São Paulo.



Os militares têm forte presença no governo Bolsonaro e nos altos escalões da administração, mas não estão dispostos a embarcar em semelhante aventura, segundo a maioria dos analistas.

Quanto ao risco de sofrer um processo de impeachment, Bolsonaro "tem confiança no fato de que será capaz de evitar", porque "continua protegido por seus aliados do Centrão", acrescenta Stuenkel.

Resta saber se o apoio do Centrão não se romperá após as manifestações de ontem, que assustou alguns que agora defendem um impeachment.

Entre o momento atual e a eleição presidencial, o cenário mais provável, no entanto, prevê Stuenkel, será "instabilidade constitucional permanente, uma situação caótica".

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