Em seu segundo relatório, a Missão Internacional Independente da ONU de Determinação dos Fatos sobre a República Bolivariana de Venezuela detalha "como as deficiências do sistema de justiça caminham lado a lado com um padrão de graves violações dos direitos humanos e crimes de direito internacional no contexto de uma política de Estado para silenciar, desencorajar e sufocar a oposição ao governo desde 2014".
"A independência do poder judicial tem sido profundamente erodida, o que põe em risco sua função de exercer justiça e salvaguardar os direitos individuais", disse Marta Valiñas, presidente da missão, citada em um comunicado.
Os especialistas, disse Valiñas à imprensa em Genebra, têm "bases razoáveis para crer que, ao invés de dar proteção às vítimas (...), o sistema judicial venezuelano tem tido um papel significativo na repressão estatal aos oponentes do governo".
A missão foi criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2019 para investigar as denúncias contra o governo Maduro de supostas violações dos direitos humanos contra os opositores.
O relatório estabelece que importantes atores do Executivo venezuelano, incluindo o próprio Maduro, exerceu uma influência importante no sistema judicial do país.
O procurador-geral da Venezuela, Tarek Saab, rejeitou "de forma contundente" este informe, que tachou de "panfleto biliar".
Saab assegurou que "mais de 150 agentes do Estado (foram) condenados (...) por violar direitos humanos".
"É uma demonstração clara, fidedigna, do compromisso da nossa instituição", informou o funcionário, ligado ao chavismo, que foi nomeado em 2017 pela então toda-poderosa Assembleia Constituinte.
- Sem proteção -
A Missão informou que através de entrevistas, muitas delas com atores do sistema de justiça, e análises de expedientes judiciais e outros documentos, encontrou "irregularidades que comprometem todas as etapas do processo penal".
Os juízes e juízas "ordenaram a prisão preventiva como uma medida de rotina e não excepcional, prosseguiram com a detenção e as acusações penais baseadas em provas que não indicavam atos criminosos nem demonstraram o envolvimento da pessoa, e "deram a aparência de legalidade às detenções ilegais com a emissão de mandados de prisão com caráter retroativo".
Por outro lado, promotores "apresentaram evidências contaminadas por tortura, que por sua vez foram admitidas por juízes e juízas como prova".
Membro da missão, Francisco Cox disse que a "esmagadora maioria" das violações dos direitos dos opositores que foram documentadas "não gerou investigação, acusação ou julgamento de quem supostamente as cometeu".
"Hoje fica demonstrado que o Ministério Público, os tribunais e o Tribunal Supremo de Justiça negaram a reparação, a verdade e a justiça das vítimas e que o Estado venezuelano não pune as violações dos direitos humanos e também não está em disposição de fazê-lo", destacou por sua vez Miguel Pizarro, representante na ONU do líder opositor Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino da Venezuela por cerca de 50 países.
- Impunidade -
Entre os casos que a missão revisou estão os que foram documentados em 2020 que "envolvem forças de Inteligência do Estado que submeteram detidos a desaparecimentos forçados de curta duração, tortura, incluindo violência sexual, e execuções extrajudiciais".
Neste sentido, o relatório destaca o caso do opositor Fernando Albán, "que morreu depois de cair do 10º andar quando estava detido na sede do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) em 2015".
Também são mencionados os casos de Rafael Acosta Arévalo, um oficial militar que "desmaiou e morreu em uma sala de audiência de Caracas com sinais evidentes de que havia sido torturado em 2018", e Juan Pablo Pernalete, um estudante que "morreu depois que uma bomba de gás lacrimogêneo atingiu seu peito a curta distância durante um protesto em Caracas em 2017".
O Ministério Público denunciou em maio os agentes de ordem supostamente envolvidos nestes casos.
A Venezuela, governada por Maduro desde 2013, vive uma crise social e econômica que, segundo a atualização mais recente da ONU, forçou nos últimos anos a saída do país de 6 milhões de pessoas.
Com a mediação da Noruega, o governo de Maduro e a oposição liderada por Juan Guaidó, reconhecido como presidente encarregado por 50 países, iniciaram em agosto um processo de negociação política no México para tentar retirar a Venezuela da crise.
GENEBRA