A república de San Marino aprovou por ampla maioria neste domingo (26) um referendo sobre a legalização do aborto, segundo resultados provisórios publicados pelo Ministério do Interior. O feito aconteceu quarenta e três anos depois do país vizinho, Itália.
Setenta e sete por cento dos eleitores do pequeno Estado, de forte tradição católica, aprovaram a opção de dar às mulheres a escolha de abortar até as 12 semanas de gravidez e depois, em dois casos: se a gravidez traga risco de vida à mãe ou se houver má formação detectada no feto.
Um total de 35.411 eleitores foram convocados a votar, um terço deles no exterior. As urnas foram abertas às 08h locais (03h de Brasília) e fecharam às 20H00 locais (15h de Brasília). Em junho, outro local contrário ao aborto, Gibraltar, flexibilizou a legislação após um referendo.
San Marino, uma pitoresca república situada no sopé de uma montanha no centro da Itália, se somou, assim, à maior parte da Europa na suspensão do que atualmente é uma proibição absoluta da interrupção da gravidez.
A influência da Igreja Católica continua forte e o papa Francisco reiterou na semana passada sua posição inflexível, ao afirmar que o aborto é "um assassinato".
Juntamente com Malta, Andorra e o Vaticano, San Marino é um dos últimos lugares da Europa onde vigora a proibição total do aborto, inclusive em casos de estupro ou incesto, de graves danos ao feto ou risco de vida para a mãe.
O referendo deste domingo foi uma iniciativa da União de Mulheres de San Marino (UDS). A pergunta que os habitantes tiveram que responder foi se o aborto deve ou não ser permitido até as 12 semanas de gravidez.
A partir da 12ª semana, o aborto só será permitido se a vida da mãe correr risco ou em caso de anomalias fetais que possam prejudicar a mulher física ou psicologicamente.
"Inaceitável"
"É inaceitável tratar como criminosas as mulheres que se veem obrigadas a abortar", destacou Francesca Nicolini, uma médica de 60 anos e membro da UDS.
Atualmente, o aborto é penalizado com até três anos de prisão para a mulher e de seis anos para o médico que realiza o procedimento. No entanto, nunca ninguém foi condenado.
As mulheres que decidem abortar costumam viajar para a Itália, onde o procedimento é legal há mais de 40 anos.
A oposição à descriminalização do aborto foi forte, liderada pelo governista Partido Democrata Cristão, estreitamente vinculado à Igreja Católica, e que convocou o voto no não para "defender o direito à vida". O bispo de San Marino-Montefeltro, Andrea Turazzi, destacou que a Igreja está "decididamente contra" a medida, lembrando as palavras do papa Francisco na semana passada.
"Cientificamente é uma vida humana. É correto acabar com ela para resolver um problema?", questionou o pontífice, dirigindo-se a jornalistas no retorno de sua viagem à Eslováquia.
População dividida
"A população está muito dividida sobre o tema", afirmou antes da divulgação dos primeiros resultados da votação Manuel Ciavatta, vice-secretário do Partido Democrata Cristão, que conta com pouco mais de um terço dos deputados.
"E inclusive no Parlamento há membros de partidos progressistas que são contrários ao aborto, e deputados da direita que são favoráveis ao direito ao aborto, especialmente em casos de estupro ou de anomalias fetais", afirmou à AFP.
No entanto, ele tinha dito que, fosse qual fosse o resultado, seu partido respeitaria "a voz dos eleitores".
História
A proibição do aborto em San Marino remonta a 1865 e foi confirmada tanto pelo regime fascista do começo do século XX como posteriormente, em 1974.
As cifras registradas na Itália sugerem que poucas mulheres do pequeno Estado cruzam a fronteira para se beneficiar das leis do aborto no país vizinho.
Entre 2005 e 2019, apenas vinte delas abortaram por ano na Itália, um número que diminuiu para 12 em 2018 e para sete em 2019, segundo dados oficiais do Istat, citados pelos ativistas contra o aborto.