Segundo especialistas, este país sul-asiático de 170 milhões de habitantes pode viver o maior deslocamento da história da humanidade, devido às mudanças climáticas.
"Lembro de como nossa casa ficou totalmente submersa durante uma inundação. Aconteceu tão rápido que a parte superior do telhado desapareceu em minutos", conta à AFP Salma, de 35 anos, originária da ilha de Bhola, 300 km ao sul de Daca.
"O rio rugia. Devorou gradualmente todas as nossas terras de cultivo e, um dia, se aproximou da nossa residência... Nossas hortas, casa, não sobrou nada", lamenta Salma, em frente ao barraco em que o casal mora com seus quatro filhos.
A família vive em um quarto de dez metros quadrados, com algumas panelas para cozinhar e um colchão sobre o qual todos dormem.
Cada casa que tiveram desapareceu sob as inundações, forçando Asgar a pedir dinheiro emprestado para a casa seguinte.
Finalmente, incapazes de pedir outro crédito, partiram para a populosa favela no subúrbio de Daca, megalópole de 20 milhões de habitantes.
País de baixa altitude onde se entrecruzam rios barrentos no fundo do Golfo de Bengala, Bangladesh sofre há muito tempo com catástrofes naturais.
Quando o Grande Ciclone de Bhola varreu a ilha em 1970, os avós de Asgar e vários tios ficaram entre o quase meio milhão de vítimas fatais.
"A maré subiu até seis metros e muito rápido. Levou meus avós, tios e tias em segundos, bem diante dos olhos do meu pai", relata o homem de 40 anos, que ganha em torno de US$ 7,50 por dia, vendendo caldo de cana às margens da rodovia.
"Durante toda sua vida, meu pai não conseguiu aceitar esta tragédia devastadora", prossegue Asgar, enxugando as lágrimas dos olhos.
- Cinco milhões de deslocados -
Os ciclones estão ocorrendo com maior frequência, alertam os cientistas. Uma previsão mais apurada significa que as pessoas serão retiradas dos locais de risco a tempo. Mas, com inundações cada vez mais frequentes e a erosão fluvial, a vida está se tornando insustentável para muitos.
Às margens do rio Padma, afluente do Ganges, Afsar Dewan mostra onde ficava sua casa de latão e tijolos, que foi destruída junto com centenas de outras na cidade de Manikganj e seus arredores.
"Havia duas madrassas (escolas islâmicas) e uma mesquita ali. Agora, tudo foi devastado. Os túmulos foram arrastados. Meus pais e tios foram sepultados ali", conta Dewan.
Agora, este homem de 65 anos terá de pedir dinheiro emprestado a juros que, às vezes, podem superar o valor do empréstimo, mas não se juntará ao êxodo para Daca, a 100 km de distância, insistindo em que ainda tem terras para cultivar.
O Centro de Controle de Deslocamentos Internacionais destaca que quase cinco milhões de bengaleses se deslocaram internamente entre 2008 e 2014. A maioria se mudou para Daca, ou Chittagong.
Segundo o Banco Mundial, outros 13,3 milhões de pessoas poderão fazer o mesmo até 2050.
Outro grande número de migrantes também parte rumo ao exterior. A cada ano, cerca de 700.000 bengaleses vão trabalhar no Oriente Médio, ou no Sudeste Asiático.
Hoje, os bengaleses são uma das principais nacionalidades que tentam entrar ilegalmente na Europa.
- Países ricos evitam o debate -
Daca construiu dezenas de milhares de casas nos últimos dois anos. Mais da metade delas foi para abrigar refugiados climáticos, vítimas, principalmente, da erosão fluvial, afirma Tanvir Shakil Joy, deputado e líder da bancada parlamentar sobre as mudanças climáticas.
Este ano, Bangladesh pretende construir mais 10.000 casas para eles, informou à AFP o secretário de Gestão de Desastres e Socorro, Mohammad Mohsin.
Estudos do Centro de Serviços Geográficos e Ambientais de Propriedade Estatal (CEGIS) mostram, no entanto, que, a cada ano desde 2004, cerca de 50.000 pessoas perdem suas casas às margens dos dois principais rios do país a jusante do Himalaia, Ganges e Brahmaputra.
"Bangladesh abriga dezenas de grandes rios. Se você juntar as pessoas que perderam suas casas por causa de outros rios, o número será de mais de 100.000", destaca Mominul Haque Sarker, assessor do CEGIS, formado na Universidade de Manchester.
Durante a COP26, a cúpula climática da ONU que se reunirá entre 30 de outubro e 12 de novembro em Glasgow, o país sul-asiático voltará a destacar os desafios que enfrenta com os fenômenos climáticos extremos e pedirá ajuda internacional.
"Mas, quando falamos da migração climática em fóruns internacionais, os países ricos simplesmente evitam o debate", revela Joy.
"Os países ocidentais, que são os principais responsáveis pelo aquecimento global, ainda têm que reconhecer que as mudanças climáticas estão por trás da migração e do deslocamento em massa", acrescenta.
"Entram em pânico, no momento em que apresentamos a questão dos refugiados climáticos. Seu medo é que se reconhecerem isto, é possível que tenham que aceitar alguns deles", conclui.
audima