Uma nova crise de água potável afeta o país mais rico do mundo.
Autoridades de Michigan emitiram há algumas semanas uma declaração de emergência para pedir aos moradores de Benton Harbor, cidade a poucas horas de Chicago, nos Estados Unidos, que, como "medida de precaução" não consumam água da torneira, seja para cozinhar, lavar alimentos ou escovar os dentes.
E a medida pode valer pelos próximos três anos, pelo menos.
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Isso se deve à quantidade de chumbo usada para fabricar as tubulações que conduzem a água até as residências.
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Magnata da água engarrafada é o homem mais rico da China Manutenção deixará moradores de 58 bairros de BH sem água no domingoCopasa: 5 cidades de Minas têm racionamento de água, e 10 estão em alertaSegundo dados divulgados pela prefeitura, em 2018, a contaminação das águas com chumbo era de 22 ppb (partes por bilhão), enquanto que, entre janeiro e junho de 2021, subiu para 24 ppb.
As autoridades de saúde americanas consideram que o limite saudável é de 15 ppb, apesar de reforçarem que o nível de contaminação deveria ser zero.
No entanto, foram encontrados registros variando de 400 a 889 ppb em várias casas.
"Hoje se sabe que nenhuma quantidade de chumbo é saudável para o consumo humano, então pode-se dizer sem hesitação que os níveis em Benton Harbor são muito preocupantes", diz Elin Warn Betanzo, especialista em água potável de Michigan.
Os números são ainda maiores do que os registrados entre 2014 e 2015 na vizinha Flint, a três horas de carro, onde no pior momento da crise de chumbo que ganhou as manchetes em todo o mundo, os níveis alcançaram 20 ppb.
"Isso é realmente algo para se pensar: somos um dos países mais ricos do mundo e há lugares onde não temos água potável. Não temos água encanada para beber, para escovar os dentes, nem mesmo para preparar mamadeira para bebês. É como se vivêssemos em um país do terceiro mundo", diz Pinkney.
O problema principal
De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), altos níveis desse metal na água podem ser altamente prejudiciais para mulheres grávidas e crianças (o que pode afetar o desenvolvimento do cérebro) e causar problemas de saúde a curto e longo prazo no restante dos adultos.
No entanto, embora as autoridades tenham enviado notificações a moradores, distribuído filtros e melhorado o tratamento do líquido nos últimos anos, não foi até recentemente que garrafas de água engarrafada passaram a ser entregues e foi declarado o estado de emergência.
E isso, depois que as próprias autoridades duvidaram se os filtros que entregaram são realmente úteis para conter chumbo.
Isso levou políticos, imprensa local, ativistas e especialistas a acreditar que o Estado falhou em alertar os moradores de que sua água era insegura por um longo período, enquanto até agora nenhuma iniciativa teve sucesso em reduzir os níveis de chumbo.
"Tivemos seis períodos consecutivos de monitoramento com níveis muito altos de excesso de chumbo, mas a resposta tem sido extremamente fraca para prover educação e dizer às pessoas que essa água não era segura para beber", diz Betanzo, que foi um dos primeiros a identificar a crise de Flint.
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos de Michigan informou à BBC News Mundo que as autoridades estaduais estão fazendo "um esforço de longo prazo para eliminar os níveis excessivos de chumbo, educar as comunidades sobre os efeitos do chumbo na água potável e eliminar as tubulações de chumbo".
"Essas ações são parte de um esforço geral acelerado para reduzir o risco de exposição ao chumbo na água potável, enquanto a cidade substitui todo o encanamento de chumbo", diz ele.
Embora o governo tenha estimado inicialmente o processo de troca das tubulações em cinco anos, um novo projeto espera encurtá-lo para dois, caso os recursos necessários sejam aprovados.
Um problema generalizado
Especialistas e organizações ambientais temem que a situação em Benton Harbor, como aconteceu antes em Flint, seja apenas o prenúncio de uma bomba-relógio nos Estados Unidos.
Segundo cálculos da ONG Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, mais de 12,8 milhões de tubulações e canos de chumbo ainda servem para levar água às residências nos 50 Estados americanos.
Em algumas cidades, como Benton Harbor, a situação é mais crítica, pois se estima que apenas 2% dos encanamentos não contêm chumbo, um metal que desde os tempos romanos é conhecido por ser nocivo ao homem.
Segundo Betanzo, um dos principais motivos da presença desse metal nos Estados Unidos foi uma campanha agressiva da indústria do chumbo.
"Realmente foi imposta a muitas comunidades o uso de tubulação de chumbo para obter água. Flint é um exemplo. Havia uma lei municipal em vigor desde 1998 segundo a qual, para ter fornecimento de água, era necessária encanação de chumbo", lembra.
No entanto, o especialista ressalta que o metal também se tornou uma alternativa por outros motivos.
"No Nordeste e Centro-Oeste dos EUA, temos um clima frio com ciclos de congelamento e descongelamento em que o solo se desloca. Os canos de chumbo são flexíveis, por isso se movem com o solo, e assim é menos provável que se rompam", diz ele.
Mas também são uma "vantagem" para os gestores de serviços de água, pelo menos "à primeira vista".
"Não se vê chumbo na água, não tem gosto ou odor. Portanto, se houver água tóxica por causa de um cano de chumbo, isso não gerará reclamações frequentes dos clientes. O mesmo não se pode dizer do ferro, por exemplo, uma vez que a água adquire um tom marrom avermelhado à medida que há corrosão do metal, o que pode gerar milhares de queixas", diz ele.
Água
Embora inicialmente se acreditasse que o chumbo seria prejudicial apenas em grandes quantidades, pesquisas realizadas ao longo dos anos mostraram que qualquer nível do metal na água pode ser altamente nocivo aos humanos.
Por essa razão, em 1986, os Estados Unidos proibiram o uso de canos com o material, apesar de que algumas cidades, como Chicago, se apressaram em usar tudo o que tinham em seus armazéns antes de a regulamentação entrar em vigor.
No entanto, a diretiva nunca incluiu qualquer exigência para remover canos de chumbo que já estavam em uso.
"Mesmo neste ano, uma revisão da regra de chumbo e cobre foi lançada e permanece em espera. Essa revisão em 2021 ainda não incluía um meio para eliminar gradualmente as mais de 10 milhões de linhas de serviço de chumbo que permanecem em funcionamento nos EUA", diz Betanzo.
Para muitos, a esperança de mudança apareceu quando o presidente Joe Biden incluiu cerca de US$ 45 bilhões (R$ 255 bilhões) em seu plano de infraestrutura para substituir canos de chumbo envelhecidos, mas o projeto está parado no Capitólio há meses e sem esperança de aprovação.
Em Benton Harbor, também não está claro como o projeto do governo democrata de substituir os canos em dois anos será financiado.
Enquanto isso, as autoridades locais começaram a distribuir água engarrafada gratuitamente, embora os moradores digam que isso não é suficiente e que ainda existem obstáculos para o acesso de muitos deles, principalmente dos que não têm carro para buscá-la.
Desde 30 de setembro, mais de 71 mil caixas de água foram distribuídas aos moradores, segundo dados oficiais enviados à BBC News Mundo.
Um problema maior
Mas, para muitos na cidade, os problemas para resolver a crise hídrica de Benton Harbor vão além dos debates sobre financiamento e têm a ver com dados demográficos.
"Nossa comunidade é formada predominantemente por negros e pobres", diz Pinkney.
O ativista dá como exemplo várias cidades próximas a Benton Harbour, como Saint Joseph, que tem 85% da população branca e o índice de pobreza é de apenas 7%. Ali, embora esteja a uma curta distância, a água não é contaminada por chumbo.
"É por isso que a questão do racismo ambiental aqui é tão importante, porque eles estão acostumados a fazer isso com os negros", diz Pinkney.
As autoridades de Benton Harbor não responderam diretamente às alegações de que se trata de um problema de racismo, embora o tenham negado em outras ocasiões.
Betanzo, que estudou os sistemas de água em Michigan e nos EUA durante anos, diz que há "definitivamente" impactos desproporcionais dessa situação nas comunidades negras.
"Especialmente porque esses canos de chumbo estão em cidades mais antigas, onde muitos brancos partiram e os negros ficaram ou se mudaram. Portanto, há um impacto desproporcional nessas comunidades, o que torna mais importante retirá-los. Canos de chumbo porque isso é uma questão de justiça ambiental", afirma.
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