A ausência do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na Cúpula do Clima em Glasgow (COP26) não é motivo de preocupação para o governo dos Estados Unidos.
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OAB repudia ataques a jornalistas em caminhada de Bolsonaro em RomaBolsonaro é recebido sob gritos de apoio e protesto em cidade italianaGoverno está irritado com cobertura da imprensa de Bolsonaro em RomaVeja passo a passo para inscrição em programa que facilita entrada nos EUA"O mais importante para nós é o que vai ser colocado na mesa como objetivo sério e como é que isso vai ser cumprido", afirmou Kristina Rosales, porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos para a América Latina, em entrevista à BBC News Brasil.
"No caso de uma situação tão complicada como são as mudanças climáticas, se o país não vem para a conferência colocando objetivos sérios na mesa, vai ser obviamente muito ruim para o resto do planeta. É isso que estamos tentando ver como é que vai ser de fato", disse Rosales.
Segundo a diplomata americana, é normal que em encontros multilaterais como a COP26 e o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) haja uma participação mesclada de chefes de governo, ministros e outras autoridades.
Além disso, os Estados Unidos foram informados que Bolsonaro tinha outros compromissos, mas que o Brasil seria representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e outras autoridades.
Durante visita a Roma para reunião do G20, Bolsonaro foi questionado diversas vezes por jornalistas brasileiros sobre os motivos de sua ausência na COP26.
Mas o presidente, que acabou escanteado por outros mandatários no G20 e enfrenta forte pressão internacional por causa do desmatamento, permaneceu calado.
A cúpula do clima reunirá lideranças de mais de cem países entre os dias 31/10 e 12/11 em torno de debates sobre os novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média da Terra em 1,5°C.
O Brasil é considerado crucial nos esforços globais para evitar uma catástrofe climática no planeta.
Por isso, a decisão de Bolsonaro não ir à COP26 gerou críticas de outros países e de organizações ambientais.
Segundo o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, o mandatário brasileiro evitará a reunião do clima porque iriam jogar "pedras" nele.
Rosales, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, refutou uma alegada falta de proximidade entre Bolsonaro e o presidente americano, Joe Biden, por nunca terem falado ao telefone ou se reunido em encontros bilaterais, incluindo durante o G20 em Roma.
A diplomata ressaltou que os dois países são parceiros estratégicos e que autoridades dos Estados Unidos estão em contato frequente com seus pares brasileiros em diversas áreas, como economia, pandemia e meio ambiente.
O cientista político Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica à BBC News Brasil que essas conversas a portas fechadas são fundamentais para a relação entre países, sejam aliados ou não.
Há dois pontos fundamentais em jogo: avançar em temas importantes para os envolvidos e criar laços pessoais entre líderes para resolver problemas futuros.
"O fato de Bolsonaro não ter essas reuniões bilaterais com outros chefes de governo em Roma é um sintoma do isolamento do país e acaba agravando isso ainda mais. É isso, por exemplo, que está atrapalhando a relação do Brasil com a China, porque Bolsonaro não tem intimidade com Xi Jinping para ser atendido por ele pessoalmente. E isso seria o natural a se fazer na diplomacia para destravar o problema da carne brasileira, que não consegue entrar no mercado chinês."
No caso Brasil-Estados Unidos, o país sul-americano já foi ameaçado de sanções econômicas e pode ter exportações barradas por causa do desmatamento (leia mais abaixo).
Mas para além do isolamento internacional de Bolsonaro, o que afinal o Brasil vai propor de concreto na COP26? E como as propostas brasileiras têm sido recebidas em outros países?
Pressão e ceticismo
Durante o governo Bolsonaro, as estatísticas oficiais e os pesquisadores especializados têm apontado um forte crescimento do desmatamento e da emissão de gases do efeito estufa no Brasil.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a destruição da Amazônia somou 10.129 km² entre agosto de 2018 e julho de 2019, ultrapassando a marca de 10 mil km² pela primeira vez desde 2008. Já no ano seguinte, o desmatamento teve nova alta, de 9,5%, para 11.088 km².
Dados do Observatório do Clima, organização que calcula anualmente as emissões de gases do efeito estufa no território brasileiro, apontam que o desmatamento da Amazônia durante o governo Bolsonaro subiu em média 60% a mais do que na década passada.
A organização estima que o desmatamento e o uso do solo para pecuária correspondem a cerca de 80% das emissões do Brasil, colocando o país como o quarto maior emissor do mundo.
E, na contramão do mundo, o Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, ante uma redução de 7% na média global (por causa da paralisação de voos, indústrias e serviços na pandemia).
O avanço do desmatamento e dos focos de incêndio no Brasil e a flexibilização de regras ambientais pelo governo Bolsonaro levaram a uma pressão internacional sem precedentes para o país.
Líderes europeus, por exemplo, travaram o gigante acordo comercial entre Mercosul e União Europeia e criam obstáculos à entrada brasileira na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como clube dos países ricos.
Durante a campanha eleitoral americana, o agora presidente Joe Biden chegou a ameaçar o Brasil de sanções econômicas por causa de questões ambientais.
Além disso, o Congresso dos Estados Unidos estuda criar uma lei que pode barrar a importação de itens como soja, gado e madeira de países com índices altos de desmatamento florestal se o produtor rural e o importador americano não comprovarem que as origens desses produtos — e toda sua cadeia produtiva — passaram ao largo de áreas ilegalmente desmatadas.
O Brasil é citado no texto como um exemplo do problema, e a medida, se for aprovada, pode barrar US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões) em exportações brasileiras.
Autoridades brasileiras tentam reverter essa situação. Em abril de 2021, por exemplo, Bolsonaro anunciou na Cúpula do Clima nos Estados Unidos o compromisso de zerar até 2030 o desmatamento ilegal e de atingir até 2050 a neutralidade de carbono (ou seja, reduzir as emissões de gases de efeito estufa tanto quanto possível e compensar as emissões restantes por meio do plantio de florestas, por exemplo).
Mas esses e outros anúncios de medidas ambientais do governo brasileiro têm sido recebidos com desconfiança no exterior por governos, organismos multilaterais, especialistas e ambientalistas.
"Em qualquer um desses locais, seja a COP26, seja o G20, o governo Bolsonaro vai ser cobrado por resultados primeiro. Isso porque ninguém mais acredita no governo Bolsonaro. É um governo que não tem mais credibilidade nem a menor moral na comunidade internacional pelo que faz e pelo que fala. O governo Bolsonaro falha nas principais pautas globais: na economia, na pandemia e no clima", disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
4 pontos da participação do Brasil na COP26
Durante a COP26, serão negociados compromissos ambientais em pelo menos quatro áreas: proteção de florestas, financiamento de países ricos a nações em desenvolvimento, transição para carro elétrico e eliminação do uso de combustíveis fósseis.
Os dois primeiros, por exemplo, estão ligados aos pilares da participação brasileira na COP26. São pelo menos cinco, como explica reportagem da BBC News Brasil:
- recuperar a credibilidade do país com mudanças na política ambiental;
- garantir uma parcela significativa dos US$ 100 bilhões (R$ 560 bilhões) anuais que os países ricos preveem para financiar o impacto climático em nações pobres;
- evitar que nações desenvolvidas criem punições a quem não seguir regras estabelecidas por elas (como metas de emissão para setores específicos da economia, entre eles a agropecuária);
- regular finalmente o mercado de crédito de carbono, que permitiria a países que não atingem as metas comprem o "crédito" de outras nações que estão em dia com seus compromissos.
Além disso, o Brasil também decidiu assinar um importante acordo sobre proteção de florestas, sinalizando a outros países mudanças no discurso internacional do governo brasileiro sobre política ambiental.
O texto do acordo florestal, conhecido como Forest Deal, ainda não foi divulgado em detalhes, mas ele pode incluir, por exemplo, regulamentações que limitem comércio internacional de produtos ligados ao desmatamento e financiamento direto a povos indígenas para preservação do meio ambiente em seus territórios.
Uma reportagem da BBC News Brasil revelou que, segundo um integrante da delegação brasileira ouvido sob condição de anonimato, o país não vai emperrar as negociações globais, mas também não irá aderir a metas de redução de emissões em setores específicos da economia, como corte da emissão de metano na pecuária, promoção de um menor consumo de carne, ou prazo para transição de carro à gasolina para carro elétrico — compromissos que a União Europeia e o Reino Unido defendem.
A principal cobrança do Brasil na COP26 será que países ricos definam regras claras para pagar os US$100 bilhões por ano prometidos a nações em desenvolvimento para projetos relacionados à contenção das mudanças climáticas. Para o Brasil, o governo quer ao menos US$ 10 bilhões (cerca de R$ 56 bilhões) em financiamento externo.
Os US$ 100 bilhões deveriam ser pagos todo ano, de 2020 a 2025. Mas os países desenvolvidos já não cumpriram a meta de 2020, e faltam mecanismos que definam onde os recursos podem ser depositados e o formato de escolha dos projetos contemplados.
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