Jornal Estado de Minas

SANTIAGO

Turbulências econômicas e políticas no horizonte do esquerdista Boric no Chile

Sem maioria no Congresso para levar adiante seus projetos, com problemas econômicos no horizonte e a tarefa de curar uma sociedade que emerge de uma campanha polarizada, o novo presidente eleito do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, se depara com uma trajetória íngreme.



Os mercados reagiram com baixa à sua vitória nesta segunda-feira. O dólar alcançou sua maior cotação histórica, a 876 pesos, enquanto a bolsa de Santiago fechou com queda de seu principal indicador, o IPSA.

O nervosismo aumentou sobretudo pela diferença de 11 pontos que Boric abriu sobre o ultradireitista José Antonio Kast, que obteve 44,1% dos votos contra 55,8% para o deputado.

"O mercado em geral dava como certa a vitória de Boric, mas ninguém esperava que a diferença com Kast fosse tão grande", explicou à AFP o economista Juan Ortiz, do Observatório do Contexto Econômico da Universidade Diego Portales.

Além disso, a participação histórica dos eleitores (de 55%) lhe permite ter "um um mandato totalmente posicionado", acrescenta Ortiz.

- Qual Boric? -

Tachado de "comunista" por seus detratores pela aliança da Frente Ampla, da qual faz parte com o Partido Comunista, a grande dúvida do mercado é qual Boric vai governar: o de posições mais extremas que se apresentou no primeiro turno ou o mais moderado que disputou o segundo.



"Essa é a grande incógnita e enquanto isso não transparecer, a incerteza (econômica) vai permanecer", disse Ortiz.

O discurso da vitória, feito por Boric a milhares de pessoas que lotaram na noite de domingo a Avenida Alameda, no centro de Santiago, foi mais moderado.

"Vamos expandir os direitos sociais e o faremos com responsabilidade fiscal", afirmou.

"Nós o faremos cuidando da nossa macroeconomia. Vamos fazê-lo bem e isso permitirá melhorar as aposentadorias e a saúde sem que seja preciso retroceder no futuro", acrescentou.

"A redução desta incerteza depende muito da pessoa que for nomeada para a pasta da Fazenda. Não é o mesmo que seja uma pessoa que esteja dentro do núcleo duro do candidato Boric do primeiro turno ou um ministro que esteja em uma posição mais de centro esquerda", acrescentou Ortiz.



Após se reunir com o presidente Sebastián Piñera no palácio presidencial, Boric anunciou que vai acelerar a definição do seu gabinete.

"Vamos fazer todo o esforço para que seja o quanto antes", disse o presidente eleito, quando perguntado sobre a data em que nomeará seus ministros.

Piñera, em seu segundo mandato (2018-2022), nomeou seu gabinete em 22 de janeiro, cerca de um mês depois de ser reeleito.

"Espero não superar este prazo. Somos conscientes de que é importante para o país dar certezas, que alguns podem gostar e outros, não, mas é importante ter certeza do que vem", acrescentou.

- Rumo a um Estado de bem-estar -

Boric, de 35 anos, prometeu em sua campanha impulsionar um "Estado de bem-estar" em um dos países com maior desigualdade social do mundo, uma brecha na origem da denominada "revolta social" de 2019 que sacudiu o país a partir de 18 de outubro de 2019.



O maior obstáculo a superar rapidamente nas reformas que Boric prometeu - como o fim das Administradoras de Fundos de Pensão privadas, um sistema universal de saúde e 500.000 novos empregos para as mulheres, entre outras -, é a composição do Congresso que assumirá com ele, dividido em partes iguais entre partidos de esquerda e direita.

"Governar será muito, muito difícil", disse à AFP Michael Shifter, do centro de análise Diálogo Interamericano em Washington.

O novo presidente "terá que negociar e fazer acordos e alianças", estimou.

- "Curar uma nação" -

A participação na votação de domingo (55,4% de acordo com as projeções oficiais) foi recorde em um país de alta abstenção e com um eleitorado de centro que ficou órfão de candidatos quando Boric e o candidato da extrema-direita José Antonio Kast se tornaram adversários na eleição.

"Boric terá que curar uma nação", disse à AFP Patricio Navia, da Universidade de Nova York.

"Mas o processo de redigir uma nova Constituição ainda está em andamento e haverá um plebiscito sobre a nova Constituição em menos de um ano. Então, não acho que tenha muito tempo para curar, 2022 será um ano difícil", acrescentou.



Uma convenção dominada por representantes de esquerda elabora uma nova Constituição para substituir a aprovada sob o regime de Pinochet, à qual se concede o crédito do relativo bem-estar econômico chileno, mas também é culpada por uma forte desigualdade social.

- Desaceleração econômica -

Após uma queda do PIB de 5,8% em 2020 devido às restrições impostas pela pandemia de coronavírus, o Chile termina 2021 com uma projeção de crescimento de 11,5%. Para 2022 se anuncia uma desaceleração, com crescimento do PIB entre 2% e 3%.

Grande parte do crescimento deste ano foi alimentado com ajudas do governo no valor de 3 bilhões de dólares mensais para estimular a economia devastada pela pandemia e os saques antecipados dos fundos de pensão privados no valor de 50 bilhões de dólares, aprovados pelo Congresso sob forte pressão da opinião pública.

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