O crítico de arte Kelly Grovier escolheu 15 das fotografias mais impressionantes do ano - incluindo imagens da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, e de um avião em Cabul, no Afeganistão - e as comparou com obras de arte famosas.
Veja-as a seguir.
Discurso para a COP26, Tuvalu, novembro de 2021
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"Não vamos ficar de braços cruzados enquanto a água sobe à nossa volta", declarou Kofe.
A imagem surpreendente e a apreensão nas suas palavras relembraram todo um histórico de imagens de pessoas e comunidades ameaçadas pelos caprichos da água e das ondas, desde o quadro assustador do pintor holandês Jan Asselijn O Rompimento do Dique de Santo Antônio, perto de Amsterdã (que reconstrói a onda catastrófica que atingiu a costa holandesa na madrugada de 5 de março de 1651) até a obra gerada por computador do artista digital alemão Kota Ezawa A Enchente (2011), inspirada por imagens de residências afundando nas águas no sul dos Estados Unidos, mostradas pela imprensa.
Escultura, Itália, 2021
Uma fotografia divertida supostamente ilustrando a invenção do teste RT-PCR viralizou nas redes sociais em novembro.
É claro que a reconstrução de um grupo de esculturas da Vila de Tibério em Esperlonga, na Itália do século 1°, retrata algo muito diferente dos atuais testes de covid-19. Trata-se do ataque que cegou o ciclope Polifemo, depois de capturar Ulisses e seus companheiros em uma caverna.
Segundo a lenda, Ulisses consegue atrair Polifemo (que havia devorado vários membros da comitiva do herói) com vinho "não diluído" antes de atingir seu único olho com uma lança pontiaguda.
Alguém que se autoadministrasse o teste RT-PCR e acidentalmente penetrasse um pouco mais fundo que o desejado poderia perceber que Polifemo se saiu bem na ocasião.
Avião da força-aérea norte-americana, aeroporto de Cabul, no Afeganistão, agosto de 2021
Quando o Talebã tomou a capital afegã, Cabul, em 15 de agosto de 2021, um avião da força aérea norte-americana com destino ao Catar tornou-se a última esperança de fuga da cidade para muitos afegãos.
Fotos de centenas de pessoas desesperadas invadindo a rampa do avião C-17 Globemaster III foram algumas das imagens mais dramáticas do ano.
Aquela multidão inexplicável (estima-se que houvesse 640 a 830 pessoas, entre adultos e crianças) conseguiu fazer com que parecesse confortável, comparativamente, a visão claustrofóbica da recente escultura do artista canadense contemporâneo Timothy Schmalz Anjos Desconhecidos - um barco de bronze de 6 metros de altura, abarrotado de almas refugiadas.
Inaugurada pelo Papa Francisco em setembro de 2019, no Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados celebrado pelo Vaticano, a obra tem seu nome inspirado em uma instrução moral da Epístola aos Hebreus: "Não negligencieis a hospitalidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber acolheram anjos".
Astronautas, Israel, 2021
Dois astronautas caminham lado a lado em seus trajes espaciais durante uma missão de treinamento para uma viagem a Marte na Cratera Ramon, no deserto de Negev, em Israel.
O cânion em forma de coração - que é a maior "makhtesh" do mundo (uma espécie de depressão causada pela erosão que não é formada pelo impacto de um meteoro, nem pela erupção de um vulcão) - serviu de retiro surreal para seis astronautas da Áustria, Alemanha, Israel, Holanda, Portugal e Espanha.
A tripulação só foi autorizada a explorar o terreno desolado em trajes espaciais, para enfrentar condições similares às encontradas em Marte.
Imagens da simulação extraterrestre despertaram a imaginação do mundo e pareceram retratar não um território físico do nosso próprio sistema solar, mas um refúgio isolado e luminoso - um local metafísico como os imaginados pelo artista francês de vanguarda Yves Tanguy.
Manifestantes, Escócia, novembro de 2021
Durante a Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas COP26 em Glasgow, em novembro de 2021, ativistas do grupo Ocean Rebellion manifestaram-se em frente à refinaria e usina central de petroquímicos integrada da multinacional britânica INEOS em Grangemouth, na Escócia.
Autodenominados "Cabeças de Petróleo", por usarem galões plásticos de gasolina como máscaras grotescas, os manifestantes "cuspiam" petróleo e atiravam dinheiro falso para ridicularizar, de forma teatral, o comportamento dos investidores e políticos que, segundo eles, estão agindo com muita lentidão no seu compromisso para pôr fim ao desmatamento até 2030.
A imagem brutal é extremamente eficaz e traz à mente princípios notáveis de obras de arte contemporâneas que pretendem chamar a atenção para o impacto prejudicial sobre o meio ambiente causado pelos seres humanos - desde a Piscina de Petróleo, do falecido artista japonês Noriyuki Haraguchi (uma longa série que começou nos anos 1970) até o mais recente Vazamentos de Óleo, do artista chinês Ai Weiwei (2006).
Mergulhadora, China, janeiro de 2021
Em janeiro de 2021, uma mulher foi fotografada mergulhando de um pedestal de gelo em um lago congelado em Shenyang, na província de Liaoning, no nordeste da China
Congelada acima da superfície tranquila da água gelada, ela permanece em suspensão para sempre - com ou sem peso, sem fazer parte do tempo, nem ficar fora dele. A heroica horizontalidade do seu corpo coincide com a direção exata do caminho ou banco de neve que divide a foto em partes iguais de terra e ar.
Para os olhos de muitos, a severidade do ambiente e o desconforto eterno que aguarda a nadadora tornam seu mergulho suspenso tão inconcebível quanto mergulhar como um cisne da borda de um telhado em direção à rua - um feito que o artista francês Yves Klein afirma ter conseguido em 1960, de uma janela em Paris, na França.
Para recriar o salto arrepiante, Klein contratou dois fotógrafos para ajudá-lo a encenar uma série de imagens que ele chamou de Salto para o Vazio, capturando um corpo estirado no meio do ar em posição muito similar à da mergulhadora chinesa.
Menina, Faixa de Gaza, maio de 2021
Durante a escalada mais sangrenta dos conflitos entre israelenses e palestinos desde 2014, ataques aéreos desencadeados por Israel (em retaliação a um foguete disparado pelo grupo palestino Hamas) abriram a parede da casa de uma criança em Beit Hanoun, na Faixa de Gaza, em 24 de maio de 2021.
A imagem da menina - em pé, descalça, entre destroços e vergalhões, perplexa ante o horizonte devastado - é desoladora.
A incongruência existente na cena de um coelho de pelúcia, que olha de cabeça para baixo para o mundo (que também está de cabeça para baixo), traz à mente o quadro Guerra (2003), da artista britânica (nascida em Portugal) Paula Rego, baseado na fotografia publicada na imprensa de uma menina durante os combates da Guerra do Iraque.
Na visão original de Rego, o coelho - convencionalmente um símbolo de inocência e renascimento na história da arte - é comoventemente remodelado como uma máscara ameaçadora para esconder a angústia. Já na imagem de Gaza, não é necessária nenhuma reinterpretação do horror exibido.
Lago, Sérvia, 2021
A grotesca imagem de uma imensa quantidade de lixo obstruindo o rio Lim, perto da cidade sérvia de Priboj, no oeste dos Bálcãs, é impressionante e assustadora.
A causa foi a combinação entre um conjunto de medidas insuficientes de gestão de resíduos, multiplicação do descarte ilegal e cheias na região - que ajudaram a carregar o lixo para um único lugar.
A incongruência dos densos fragmentos no que antes era um cenário cristalino traz à mente a visão perturbadora do artista cubano contemporâneo Tomás Sánchez, que reimaginou o local da crucificação de Cristo nos arredores de Jerusalém no seu quadro Ao Sul do Calvário (1994).
Repleto de lixo não reciclado, o quadro de Sánchez sugere que a salvação é uma maratona material através do lodo mundano, além de uma árdua jornada espiritual.
Menino, Indonésia, 2021
Aldi, um menino com 8 anos de idade, pede esmolas nas ruas de Depok, na Indonésia. Sua pele é coberta por uma mistura tóxica de tinta metálica e óleo de cozinha que transforma seu corpo em uma espécie de escultura reluzente.
Aldi faz parte de um grupo de pessoas conhecidas como "Manusia Silver" ("Homens de Prata"), que recorrem a esse perigoso disfarce para atrair as pessoas. A imagem de Aldi, brilhando em meio ao aço dos carros no trânsito congestionado da cidade é muito perturbadora.
Para muitos meninos com a idade de Aldi, os robôs são talismãs - um tema que relembra a fotografia realçada por tinta e guache Brinquedo Maravilha: Robert, o Robô (1971), do artista escocês Eduardo Paolozzi, que imagina um menino fundindo-se com a magia do seu robô de brinquedo.
Na foto de Paolozzi, os dois se dissolvem na mesma substância brilhante, mas a imagem de Aldi corrompe tragicamente o instinto infantil de perder-se na brincadeira.
Invasão do Capitólio, Estados Unidos, janeiro de 2021
As imagens de apoiadores de Donald Trump enfrentando violentamente a polícia na Rotunda do Capitólio dos Estados Unidos no dia 6 de janeiro de 2021 chocaram o mundo.
Os transgressores pró-Trump estavam protestando contra a diplomação de Joe Biden como presidente eleito.
Algumas pessoas podem surpreender-se ao saber que a imagem de norte-americanos pulando uns sobre os outros é parte do próprio cenário do local. Fora do alcance da fotografia, atrás do fotógrafo que a tirou, encontra-se um painel de arenito em relevo do escultor italiano do século 18 Enrico Causici.
Esse painel mostra o explorador pioneiro da colonização Daniel Boone travando um combate corporal com um nativo norte-americano.
O corpo maltratado de outro nativo repousa sob os pés de Boone. Atualmente, os méritos estéticos e morais da obra podem causar opiniões tão polarizadas quanto os eventos de 6 de janeiro de 2021.
Navio porta-contêineres Ever Given, Egito, março de 2021
Quando um navio de carga colossal encalhou nas margens do Canal de Suez, no Egito, no final de março de 2021, o mundo subitamente parou, junto com o próprio tráfego marítimo global.
Em viagem da China para a Holanda, o navio Ever Given estava carregando 20 mil contêineres quando encalhou diagonalmente perto da extremidade sul do canal, na manhã de 23 de março de 2021.
Com sua popa presa à parede oeste e a proa profundamente enterrada no lado arenoso a leste, o gigantesco navio não saía do lugar.
Fotos de uma escavadeira diminuta tentando liberar a enorme embarcação inspiraram muitos memes engraçados e trouxeram à mente imagens absurdas famosas no estilo de Davi x Golias, de homens musculosos em miniatura determinados a vencer um imenso problema - como uma ilustração de ouro e têmpera do século 15 de um breviário do ilustrador flamengo anônimo conhecido como "Mestre do Livro de Orações de Dresden".
Menino, Quênia, 2021
Em novembro de 2021, foram divulgados os vencedores do prêmio de Fotógrafo Ambiental do Ano 2021.
Na categoria Ação Climática, a fotografia vencedora foi a de um menino conectado, de forma surreal, com uma máscara facial e um respirador, a uma planta em um vaso que fica ao lado dele como se fosse um tanque de oxigênio.
A fotografia O Último Respiro, de Kevin Ochieng Onyango, foi tirada em Nairóbi, no Quênia, e é uma poderosa reflexão sobre a trajetória dos danos ambientais.
A imagem olha não apenas para o futuro incerto à nossa frente, mas também para a própria história da arte, absorvendo e transformando trabalhos influentes do passado.
A fragilidade e a preciosidade da respiração relembra temas que inspiraram trabalhos como Experimento com uma Ave em uma Bomba de Ar, obra-prima do pintor inglês Joseph Wright of Derby do século 18 (criada depois que o artista foi informado sobre a recente descoberta do oxigênio por Joseph Priestley) e o trabalho conceitual Respiração do Artista (1960), do italiano Piero Manzoni, que tentou preservar sua respiração para sempre em balões vermelhos.
O contraste entre a intenção de Manzoni para esse trabalho (certa vez, ele disse: "quando sopro um balão, estou expirando minha alma para um objeto que permanecerá eterno") e o eventual destino dos seus balões - há muito tempo esvaziados e decompostos - é de tirar o fôlego, da mesma forma que a comovente e assombrosa imagem de Onyango.
Pintura, França, outubro de 2021
A fotografia de bombeiros franceses levantando um cobertor à prova de fogo para proteger um dos muitos tesouros da catedral de Santo André durante uma perfuração em Bordeaux, na França, em outubro de 2021 foi, por si só, uma obra de arte.
O quadro no centro da imagem é do mestre flamengo do século 17 Jacob Jordaens e ilustra Cristo crucificado agonizando, atingido por longos espetos com esponjas embebidas em vinagre na ponta, enquanto as trevas aumentam.
As escadas ao lado da tela alinham-se à metáfora de ascensão e queda ilustrada na pintura e transformam o trabalho em algo curiosamente cinético - uma visão que não é real nem imaginária; não é material, nem espiritual.
Os suportes nos conectam ao passado e conduzem nossa imaginação à tradição de trabalhos em vários patamares, cujos níveis de significado são medidos ao longo do comprimento angular das escadas ascendentes, desde a chamada Escada da Divina Ascensão (um ícone do final do século 12 do Monastério de Santa Catarina, no Monte Sinai, em Israel), que retrata monges escalando em direção a Jesus, até a série de desenhos As Escadas, da artista franco-americana contemporânea Louise Bourgeois, que constrói um símbolo pessoal com características ambíguas - instável e, ao mesmo tempo, edificante.
Crianças, Etiópia, julho de 2021
Em julho de 2021, um grupo de crianças foi fotografado em pé sob uma árvore no local de um futuro campo de refugiados da Eritreia, perto da vila de Dabat, a nordeste da cidade de Gondar, na Etiópia.
O véu desgastado de névoa que envolve a cena fornece qualidades míticas à imagem. O abrigo vivo fornecido pela copa lírica de folhas e a música imaginária do seu ruído trazem à mente inúmeros exemplos de Árvores da Vida na história da cultura - um tema que inspirou a todos, desde os antigos urartianos (que viviam onde hoje fica a Armênia), para quem a árvore representava um importante emblema religioso, até o artista vienense de art nouveau Gustav Klimt, que representou os ventos que balançam os ramos da sua Árvore da Vida poética como espirais simbólicas de um motor espiritual em eterno funcionamento.
Trabalhadores da saúde, Índia, outubro de 2021
Para marcar a administração da bilionésima dose de vacina contra o coronavírus na Índia, quatro funcionários de assistência médica do Hospital Ramaiah, na cidade de Bangalore, posaram em outubro de 2021 para uma fotografia inspirada na deusa Durga, associada à força e proteção e amplamente reverenciada no país.
Durga é tipicamente ilustrada com muitos braços, cada qual portando uma arma com a qual ela vence habilidosamente seus inimigos.
Não é a primeira vez que Durga - uma importante divindade hindu dedicada ao combate às forças do mal - foi invocada durante a pandemia. Um ano antes, em outubro de 2020, imagens de uma escultura de Durga com um metro e 80 centímetros de altura, criada pelo artista indiano Sanjib Basak com ampolas de injeção descartadas e embalagens de remédios vencidos, viralizou nas redes sociais.
Emergindo de uma pilha de lixo hospitalar - os detritos causados pelo desconforto e pelas doenças -, a escultura de Basak soou como uma nota inesperada de esperança face à angústia e adversidade.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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