A Suprema Corte russa ordenou nesta terça-feira(28) a dissolução da Memorial por violar uma lei polêmica sobre "agentes estrangeiros", uma decisão que a ONG qualifica como política.
A liquidação pode ser o golpe de misericórdia para esta organização que se tornou um símbolo da democratização dos anos 1990 e o episódio final de um ano de 2021 marcado pela repressão do Kremlin contra seus críticos.
Durante sua existência, a Memorial não parou de chamar a atenção das autoridades, ganhando a inimizade de muitas autoridades e sendo vítima das represálias que incluem até mesmo um assassinato.
Fundada em 1989 por dissidentes soviéticos, incluindo o ganhador do Prêmio Nobel da Paz Andrei Sakharov, a organização é respeitada por suas investigações rigorosas, dos crimes stalinistas a abusos na Chechênia.
Em 2009, o Parlamento Europeu concedeu o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, em homenagem ao seu renomado cofundador.
Em um de seus últimos trabalhos, em março, a ONG identificou e denunciou paramilitares da organização "Wagner" por crimes de guerra na Síria. Os críticos e os países ocidentais afirmam que este grupo atua em nome do Kremlin.
Paralelamente, a Memorial também elaborou uma lista de presos políticos aos quais ofereceu assistência, além de migrantes e pessoas de minorias sexuais.
- "Inimigos do povo" -
Foi especialmente seu trabalho na Chechênia, república russa no Cáucaso e cenário de duas guerras, que tornou a ONG conhecida no Ocidente, onde possui grande prestígio.
Nos conflitos das décadas de 1990 e 2000, os colaboradores da Memorial documentaram abusos cometidos por soldados russos e seus reforços locais.
"O poder sempre odiou isso", disse à AFP a historiadora Irina Shcherbakova, uma das fundadoras da organização.
Em 2009, a diretora da ONG na Chechênia, Natalia Estemirova, foi sequestrada em plena luz do dia e baleada na cabeça em Grozny.
Culpado por este assassinato, o líder autoritário checheno Ramzan Kadyrov acusou os membros da Memorial de serem "inimigos do povo".
Em 2018, a organização se retirou desta região devido à condenação de um diretor local em um caso de drogas que denunciam como armação.
- Trabalho pela memória -
Os fundadores afirmam que a Memorial iniciou suas atividades antes de sua criação oficial em 1989, com o objetivo de revelar os nomes e lembrar as milhões de vítimas esquecidas da repressão soviética.
Nas décadas de 1960 e 1970, militantes dissidentes começaram a coletar secretamente informações sobre esses crimes. Com a abertura promovida por Mikhail Gorbachev na reta final da URSS, eles passaram a atuar sem se esconder.
"A Memorial é herdeira de um movimento e, depois, de uma organização que não parava de gritar em alto e bom som que seria muito perigoso se a memória da ditadura desaparecesse da consciência coletiva", resumiu Shcherbakova.
Com a chegada de Putin ao poder em 2000, a tarefa se complicou porque o Kremlin passou a defender uma interpretação histórica que destaca o poder russo e minimiza os crimes soviéticos.
Em 9 de dezembro, Putin criticou seu trabalho, argumentando que os colaboradores nazistas foram classificados pela Memorial como vítimas do stalinismo.
A Memorial respondeu que foi um erro pontual, corrigido posteriormente em seu banco de dados de três milhões de nomes.
Diante da Suprema Corte nesta terça-feira, o promotor Alexei Yafiarov a acusou de "criar uma falsa imagem da URSS como um estado terrorista" e de tentar "reabilitar criminosos nazistas".
A ONG denunciou outros processos para silenciá-la. Em outro caso que denuncia como farsa, um de seus historiadores, Yuri Dmitriev, foi condenado a 15 anos de prisão por "violência sexual".
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