É 13 de setembro de 2013 e Flórez, então com 32 anos, está em uma das torres de vigia do consulado dos Estados Unidos na cidade afegã de Herat (noroeste).
Nos demais postos estão ex-militares e ex-policiais da Colômbia e de El Salvador.
O veículo, lembra, movia-se rapidamente com as luzes acesas em direção à entrada da sede diplomática, quando Boom!.
"Me fez voar, caí no chão. Reagi depois de cerca de dois minutos. Quando me levantei, vejo tudo em chamas, pessoas gritando", recorda Flórez, que trabalhou para as forças de segurança em Lima antes de ingressar numa empresa de segurança multinacional.
O ataque suicida, que matou oito afegãos, foi registrado em vídeo. Após a explosão, Flórez lutou por duas horas contra talibãs até a chegada das tropas americanas.
"Nunca me deram um único dólar (adicional) por ter salvo os americanos", reclama em videochamada com a AFP.
Sem suspeitar, os latino-americanos lutaram pelos Estados Unidos "sem proteção ou armas adequadas" e "em total desvantagem diante de um inimigo muito mais bem armado", diz o colombiano Francisco Landinez.
Soldado aposentado, Landinez dirige em Miami a Oppressed Veterans Foundation. A organização procura garantir que os mercenários que lutaram no Afeganistão recebam o mesmo tratamento que os veteranos aposentados, incluindo residência nos EUA.
Uma pesquisa da Brown University estima que entre 2011 e 2021 3.917 contratados morreram em território afegão, em sua maioria "cidadãos de outros países", embora "muitas dessas mortes não tenham sido relatadas".
O Departamento de Estado se recusa a discutir as aspirações da fundação.
- Pesadelos -
Jorge Estevez * guarda vários emblemas militares, um deles da 'Santa Muerte' sobre fundo preto com a legenda "Afghanistan 2013". Ex-sargento aposentado do exército, este colombiano viajou para aquele país para trabalhar como guarda particular por 1.400 dólares por mês.
Um recruta do exército dos EUA ganha um salário entre US$ 1.600 e US$ 8.700 por mês, segundo dados oficiais.
Estévez, que guarda fotos segurando um fuzil de assalto M4, patrulhava Cabul, Mazar e Herat.
Voltou ao seu país em 2015 e hoje está com a família em Bogotá, onde lida com os traumas de cinco anos de guerra.
Ele não tem vida social, sofre pesadelos frequentes e vive de medicação devido ao estresse pós-traumático.
"Hoje somos anônimos, esquecidos, fomos usados", resmunga.
Mercenários colombianos estão envolvidos no assassinato do presidente haitiano Jovenel Moise em 2021. Três deles morreram e 19 estão presos, um nos Estados Unidos.
Os contratados rejeitam o título de mercenários. Afirmam ser terceirizados de uma indústria legal "que se move ao redor do mundo", especialmente "em países (...) com situações críticas de segurança", explica o coronel John Marulanda, presidente da Associação Colombiana de Oficiais Aposentados das Forças Miliatres.
Os colombianos, acrescenta Marulanda, são "desejados" por serem "baratos" e "eficazes", mas sobretudo por sua experiência de mais de meio século na luta contra guerrilhas.
- "Linha de frente" -
Fredy * primeiro lutou contra os rebeldes na Colômbia antes de combater o Talibã no Afeganistão e a Al-Qaeda no Iraque.
"Nunca fui com a mentalidade de ir lutar na linha de frente, fui com o pensamento de ir como segurança, proteger instalações", diz este homem de 49 anos que cobre o rosto com medo de não ser contratado novamente.
Ele veste uma camiseta com a bandeira dos Estados Unidos.
"Fomos bucha de canhão" para as forças dos EUA, diz Landinez.
Os ex-militares mantêm cópias de seus contratos com a International Development Solutions, empresa de segurança que, segundo a revista Foreign Policy, é "subsidiária" das empresas herdeiras da Blackwater, empresa dissolvida em 2009 após escândalos de tráfico de armas.
Com pensões de US$ 350 por mês na Colômbia, ex-soldados são fáceis de seduzir. Cerca de 10.000 se retiram a cada ano, são uma força "incontrolável" deixada por conta própria, explica o coronel Marulanda.
Em 2018, a ONU já defendia uma regulamentação mais eficaz de "empresas militares e de segurança privadas por meio de um quadro jurídico internacional".
Os Estados Unidos reconheceram o sacrifício dos afegãos no ataque ao consulado em 2013, mas não mencionaram os latino-americanos que lutaram naquele dia como soldados.
*Nomes alterados a pedido das fontes.
BOGOTÁ