Nascida em 23 de junho de 1930, em uma família pobre, Elza passou pelos mais diversos ambientes, da favela de Água Santa, no subúrbio carioca, onde cresceu, a palcos e casas de show no mundo todo.
Com mais de 30 álbuns ao longo de mais de 60 anos de uma carreira eclética, que começou com o samba e abarcou gêneros como jazz, bossa nova, funk ou hip-hop, essa diva de voz rouca e personalidade avassaladora foi consagrada em 1999 pela BBC como "cantora brasileira do milênio".
Assim como sua carreira, a vida pessoal de Elza alternou momentos de prosperidade e expansão com quedas abruptas e profundas. Flagrada pelo pai no mato com um homem que a agarrava, foi forçada a se casar aos 12 anos e teve o primeiro filho aos 13. Aos 21, já era viúva e havia dado à luz sete crianças, das quais cinco sobreviveram.
Em uma fase de dificuldade financeira, decidiu ir ao programa "Calouros em Desfile", apresentado por Ary Barroso na rádio Tupi em 1953. Queria ganhar algum dinheiro. Quando o sambista ironizou sua aparência e seu figurino, indagando "De que planeta você veio?", Elza respondeu, seca: "Do planeta fome." Depois da apresentação, Barroso se derreteu: "Senhoras e senhores, nasce uma estrela."
Em 1962, durante a Copa do Mundo no Chile, onde foi convidada para ser madrinha da seleção brasileira, a lenda do jazz americano Louis Armstrong encantou-se com a cantora e seu "saxofone na garganta".
Durante 17 anos, Elza teve uma relação apaixonada e conturbada com o jogador Garrincha,que morreu em 1983, de cirrose, em consequência do alcoolismo. Três anos depois, o filho do casal morreu aos 9 anos, em um acidente de trânsito. Quatro dos oito filhos da artista faleceram.
- 'Tem que viver, tem que ter força' -
Foram vários os renascimentos musicais de Elza: a gravação, em 1984, de "Língua", com Caetano Veloso, a convite do baiano; o lançamento do álbum "Do Cóccix até o Pescoço", idealizado por Zé Miguel Wisnik, em 2002; o hino nacional cantado à capela na abertura dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, são alguns deles.
Eleita a voz do milênio pela rádio britânica BBC, foi na segunda década do século XXI que Elza encontrou em definitivo seu novo tom. Com o lançamento do disco a "A Mulher do Fim do Mundo", em outubro de 2015, ela foi apresentada às novas gerações, enquanto seu público cativo assistia a mais um ressurgimento da cantora.
Produzido por Guilherme Kastrup, o disco trata de racismo, machismo, violência contra a mulher. Nenhum dos temas é inédito à obra de Elza, mas nesse álbum - que ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB - ela alcança notas inéditas.
No show desse disco e de seu sucessor, "Deus é Mulher", o público encontrou, talvez pela primeira vez, uma Elza fisicamente debilitada, apresentando-se sentada - em decorrência de cirurgias na coluna que reduziram a sua mobilidade -, embora intelectualmente afiada como sempre.
"Deixa eu te falar uma coisa: minha idade não tem nada a ver com a minha disposição", explicou a cantora à AFP em 2018. "Eu não tenho medo da morte, tenho medo da vida. Ela está tão ruim para as pessoas que eu fico: 'Meu Deus, como suportam?'. Mas tem que viver, tem que ter força", sentenciou.
A cantora também criticou a onda conservadora ligada ao crescimento das igrejas neopentecostais no Brasil, bem como as desigualdades profundas no país, que enfrenta problemas graves ligados ao racismo.
"Vivemos em um país cheio de preconceitos, é horrível. É a minha pátria, eu a amo loucamente. Mas praticamente não temos direitos. Os pobres, os negros, as mulheres, onde estão seus direitos?", questionou.
RIO DE JANEIRO