O momento parece muito com o fim de uma era. Em novembro de 1989, quando o muro de Berlim ruiu, muitos acreditavam que a velha divisão do mundo entre países aliados dos Estados Unidos e países aliados da União Soviética era apenas história. Como o conflito ideológico entre capitalismo e comunismo havia praticamente evaporado, havia uma sensação (principalmente na Europa) de que todos estavam basicamente do mesmo lado.
O problema é que, para Vladimir Putin, ex-oficial da KGB na Alemanha Oriental, o colapso da antiga União Soviética parece ter se transformado em um amargo ressentimento pessoal que se agravou ao longo dos anos. O fato de a Ucrânia, antes uma peça-chave da União Soviética, ter se afastado da Federação Russa foi considerado um insulto a tudo que Putin acredita.
Não importa que a própria Rússia tenha assinado um acordo internacional aceitando as fronteiras do novo Estado da Ucrânia. Em 2014, o presidente russo Putin encontrou um caminho para tomar a Crimeia, a mais simbólica parcela russa na Ucrânia, ao infiltrar soldados na península.
Eles bloquearam a região e, depois de realizarem um referendo da maioria da população russa étnica, a transformaram efetivamente em parte do Estado russo. Era contra a lei internacional, mas os Estados Unidos e a União Europeia ainda se apegavam à ideia de que era possível negociar com a Rússia de Putin.
Houve discursos críticos e sanções, mas nada que fizesse o presidente Putin ou seus aliados terem sérias dúvidas sobre o que fizeram em relação à Crimeia.
A mesma coisa aconteceu quando os inimigos de Putin, ou pessoas da antiga KGB (e do sucessor FSB), considerados traidores, foram envenenados, baleados ou eliminados na Grã-Bretanha e na Europa. Países europeus e os Estados Unidos emitiram alertas e adotaram novas sanções, mas a Rússia de Putin estava preparada para conviver com elas.
Nos últimos dez anos, a Rússia começou a formar um novo bloco com a China — não necessariamente hostil a outras potências globais, mas apoiando-se mutuamente diante das críticas da comunidade internacional.
O presidente chinês, Xi Jinping, e Putin criaram um grupo de apoio mútuo. Agora, a China está se recusando a condenar a Rússia por suas ações na Ucrânia, e as pessoas em Taiwan, o território separatista que Xi Jinping sempre se recusou a dizer que não invadirá, estão começando a se perguntar se elas serão as próximas.
Então, o mundo é hoje um lugar muito mais preocupante do que era há alguns anos. Em comparação, os velhos anos da Guerra Fria eram muito mais simples e, na maioria das vezes, as regras eram muito mais claras: se um lado invadisse o espaço do outro, havia a ameaça sempre presente de destruição mútua garantida. Isso nunca aconteceu, embora a guerra em escala global tenha chegado desconfortavelmente perto mais de uma vez.
Mas após o colapso do comunismo, o velho livro de regras foi rasgado. Agora, os limites são tão vagos que ninguém sabe onde estão as linhas vermelhas que não devem ser ultrapassadas.
Em retrospectiva, e está começando a haver muito disso, alguns políticos e acadêmicos estão dizendo que a Otan (aliança militar liderada pelos EUA) talvez devesse ter mudado toda a sua abordagem após a queda do Muro de Berlim. Ou seja, deveria ter evitado humilhar Moscou atraindo seus antigos países-satélites na Europa Oriental, e alinhando-os de uma forma que pareceu ser problemática à Rússia de Putin.
A mera sugestão de que a Ucrânia poderia um dia se juntar à Otan (embora essa hipótese sempre tenha sido considerada improvável) enfureceu o Kremlin e ajudou a persuadir o presidente Putin de que ele deve lidar com a Ucrânia de uma vez por todas.
Todo mundo sabe que esta é uma política dele, e somente dele. Vários políticos russos, e até mesmo algumas figuras militares importantes, se manifestaram de antemão contra qualquer invasão. Mas Putin não seria desviado de seu objetivo. Agora, ele tem que ter sucesso, e a Rússia tem que sair como a vencedora clara, se sua aposta é para ganhar o jogo. Mas aventuras militares como essa são notoriamente capazes de dar errado.
Putin teve sucesso na Crimeia, oito anos atrás, e sua posição na Rússia foi bastante reforçada. Talvez ele tenha sucesso novamente, atravessando as forças armadas ucranianas, obtendo alguns ganhos militares significativos, depois se retirando rapidamente e realizando uma parada da vitória na Rússia.
Isso é perfeitamente possível. Mas suponhamos que isso não aconteça dessa maneira. Se os soldados russos começarem a morrer em número elevado, e as sanções contra a Rússia começarem a surtir efeito, a própria posição de Putin sofrerá dentro de seu país.
O que ele vai fazer, então? Há apenas uma resposta possível, com base no que ele já fez até hoje: ele reprimirá qualquer crítica interna com ainda mais força do que já fez, em nome da segurança nacional.
A Rússia é, mesmo agora, uma sociedade surpreendentemente aberta em comparação com o passado. Mas isso, com certeza, chegaria ao fim. A economia russa sofreria e a ajuda chinesa não compensaria a perda.
Assim, Vladimir Putin, que parece ter lançado seu ataque à Ucrânia por causa de seu ressentimento de 30 anos sobre o colapso do antigo império soviético, pode trazer a Rússia de volta aos dias da União Soviética. E os países europeus e os EUA, que há tanto tempo tentam fingir que a Rússia é apenas mais um país com o qual podemos fazer negócios, pode descobrir que os velhos tempos voltaram com força total.
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