A invasão da Ucrânia pela Rússia teve ontem o terceiro dia de ataques das tropas russas a Kiev, que resistia. Com a resistência, o presidente russo Vladimir Putin autorizou a intensificação dos ataques à capital da Ucrânia – na noite de ontem, foram ouvidas fortes explosões em Kiev – enquanto países do Ocidente anunciaram o envio de dinheiro, soldados e armas para reforçar o Exército ucraniano. Alemanha, Bélgica e a República Tcheca anunciaram ontem envio de armas, soldados e recursos para a Ucrânia, enquanto os Estados Unidos anunciaram US$ 350 milhões em assistência militar à Ucrânia.
A Alemanha anunciou que vai doar mil lança-foguetes antitanque e 500 mísseis Stinger à Ucrânia. O anúncio foi feito pelo chanceler alemão Olaf Scholz, após o terceiro dia de invasão das tropas russas no território ucraniano. A doação rompe com uma política tradicional alemã de não exportar armas letais para zonas de conflito, informou uma fonte do governo ontem. O chefe de governo alemão explicou que “a agressão russa contra a Ucrânia marca uma mudança de época e ameaça a ordem estabelecida no pós-guerra. Nesta situação, é nosso dever ajudar, o tanto quanto pudermos, a Ucrânia contra o Exército invasor de Vladimir Putin”.
“Levando em conta o ataque russo contra a Ucrânia, o governo está pronto para enviar com urgência o material necessário para a defesa da Ucrânia", disse a fonte. Segundo o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, outros países aliados estão enviando armas e equipamentos para ajudar os ucranianos a lutarem. A Bélgica vai enviar 2.000 metralhadoras e 3.800 toneladas de combustível para a Ucrânia, anunciou o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, numa mensagem na rede social Twitter.
As autoridades ucranianas contactaram as autoridades belgas solicitando combustível para o fornecimento ao seu Exército e “o nosso país aceitou”, disse o primeiro-ministro belga, que também assegurou que o seu país está a proceder a uma "análise mais aprofundada" dos pedidos de Kiev. A Bélgica vai também enviar 300 soldados para a Roménia como parte da força de reação rápida da Otan, ativada pela primeira vez sexta-feira pelos líderes da Aliança, no contexto da defesa coletiva após a invasão russa da Ucrânia. A Força de Reação Rápida da Otan conta com 40.000 soldados, incluindo portugueses, e incluiu uma força operacional conjunta de altíssimo nível de prontidão (VJTF), de 8.000 soldados, atualmente comandados pela França.
A ministra da Defesa da República Tcheca, Jana Cernochová, anunciou ontem que o país vai enviar US$ 188 milhões em armamentos para a Ucrânia. Segundo Cernochová, serão enviados metralhadoras, rifles de precisão, revólveres e munição ao país. O governo tcheco ainda prometeu auxiliar com o transporte de cidadãos para um local designado por autoridades ucranianas.
Pouco após Zelensky anunciar a ajuda de outros países, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, anunciou mais US$ 350 milhões em assistência militar para a Ucrânia. “Este pacote incluirá mais assistência defensiva letal para ajudar a enfrentar as ameaças blindadas, aéreas e outras que a Ucrânia enfrenta atualmente”, disse Blinken, em um comunicado. Já o ministério holandês da Defesa indicou que entregará 200 mísseis antiaéreos Stinger a Kiev o mais rápido possível, e a República Tcheca anunciou uma doação de armas no valor de US$ 8,6 milhões.
Combate
O Exército russo recebeu ordens ontem para expandir sua ofensiva contra a Ucrânia, apesar do crescente protesto internacional em sentido contrário, alegando que Kiev rejeitou as negociações. “Depois de o lado ucraniano ter rejeitado o processo de negociação, todas as unidades receberam hoje (ontem) a ordem de ampliar a ofensiva em todas as direções, de acordo com o plano de ataque”, declarou o Ministério russo da Defesa, em um comunicado. No terceiro dia da invasão ordenada pelo presidente Vladimir Putin na quinta-feira, as forças russas fizeram incursões na capital, Kiev, embora tenha recuado para a periferia diante da forte resistência das tropas ucranianas. Os bombardeiros russos atingiram um prédio residencial em Kiev.
Kiev, capital da Ucrânia, tem sido alvo de constantes bombardeios desde sexta. Durante a noite, confrontos já tinham sido registrados perto das estações de metrô de Berestiiska e Shulyavka. As forças russas retomaram seu avanço sobre Kiev, pois o lado ucraniano "rejeitou as negociações" propostas pela Rússia, que instou Kiev a depor suas armas, declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Dada a continuação da resistência ucraniana, o ministério russo da Defesa disse ontem que o Exército atacou infraestruturas militares com mísseis navais e aéreos.
Volodimir Zelensky declarou ontem que “desmantelou o plano” de invasão da Rússia e lançou um apelo pela defesa da capital, Kiev, que se tornou o principal alvo das forças de Moscou. “Mantivemo-nos firmes e repelimos com sucesso os ataques dos inimigos. Os combates continuam em muitas cidades e regiões do país (...) mas é nosso Exército que controla Kiev e as principais cidades ao redor da capital”, disse Zelensky, em um vídeo publicado no Facebook.
“Os ocupantes queriam bloquear o centro do nosso Estado e colocar marionetes, como em Donetsk. Conseguimos desmantelar o plano deles”, acrescentou Zelensky, afirmando que o Exército russo “não obteve vantagem alguma”. Ele também acusou as tropas russas de atacarem zonas residenciais e de tentarem destruir instalações elétricas. Em um apelo aos países ocidentais para que endureçam sua posição contra a Rússia, o presidente disse que a Ucrânia “tem o direito de obter sua adesão à União Europeia”.
Para o Pentágono, a resistência ucraniana frustrou as tropas russas. A Rússia conta em território ucraniano com “mais de 50%” das tropas que havia concentrado na fronteira entre ambos os países, mas parece “cada vez mais frustrada” com a resistência do Exército ucraniano – declarou um funcionário de alta patente do Pentágono ontem. “Calculamos que mais de 50% da força que (o presidente russo, Vladimir) Putin concentrou contra a Ucrânia (...) está mobilizada” dentro do país, disse a fonte, que pediu para não ser identificada. “Além disso, continuamos vendo sinais de uma resistência ucraniana viável”, acrescentou.
ONU determinada a oferecer ajuda humanitária ao país
O secretário-geral da ONU, António Guterres, conversou por telefone ontem com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para expressar a “determinação” da organização “em reforçar a ajuda humanitária ao povo ucraniano”, segundo um comunicado da ONU. Guterres “informou ao presidente que as Nações Unidas farão um apelo na terça-feira para financiar as operações humanitárias (da organização) na Ucrânia”, afirma o texto. Na sexta-feira, a ONU pediu “acesso seguro e desimpedido” para a ajuda humanitária na Ucrânia, invadida pelo exército russo. A organização estima que haverá mais de 1,8 milhão de pessoas deslocadas em um futuro próximo devido à guerra.
A ONU também pediu que “as 7,5 milhões de crianças na Ucrânia sejam protegidas das consequências do conflito” e que todas as partes se abstenham de atacar infraestruturas civis, especialmente aquelas que têm impacto nas crianças, como escolas, instalações médicas e sistemas de água e saneamento. Antes do início da guerra na madrugada de quinta-feira, a ONU, com quase 2.000 funcionários na Ucrânia, estava ajudando cerca de três milhões de pessoas, a maioria no Leste do país.
O papa comunicou ao presidente ucraniano ontem sua “profunda dor pelos acontecimentos trágicos” naquele país, invadido por tropas russas, informou a embaixada ucraniana junto à Santa Sé. “O Papa Francisco teve hoje (ontem) uma conversa telefônica com o presidente Volodimir Zelenski. O Santo Padre expressou sua profunda dor pelos acontecimentos trágicos que ocorrem em nosso país”, tuitou a missão diplomática. Na véspera, o Sumo Pontífice visitou a embaixada russa junto à Santa Sé para expressar ao embaixador Alexander Avdeev "sua preocupação com a guerra", em um gesto incomum, e apesar de ter cancelado todos os seus compromissos devido a fortes dores no joelho.
Vítimas da guerra
No terceiro dia da ofensiva lançada pelo presidente russo, Vladimir Putin, pelo menos 198 civis ucranianos, incluindo três crianças, foram mortos, e 1.115 pessoas ficaram feridas na Ucrânia, de acordo com o ministro ucraniano da Saúde, Viktor Lyashko. No total, mais de 116.000 ucranianos fugiram para os países vizinhos – como Hungria, Moldávia, Eslováquia e Romênia – um número “crescente”, tuitou neste sábado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Cerca de 115.000 ucranianos cruzaram a fronteira com a Polônia desde o início do ataque russo, anunciou vice-ministro polonês do Interior, Pawel Szefernaker, ontem. Ele atualizou o balanço divulgado em uma entrevista coletiva apenas quatro horas antes, de cerca de 100.000 pessoas, o que mostra a rapidez com que os refugiados estão fugindo do país em guerra. “Até agora, 115.000 pessoas cruzaram a fronteira ucraniao-polonesa desde que explodiu a guerra”, disse Szefernaker à imprensa na cidade polonesa de Dorohusk, no Leste do país.
Segundo ele, 90% dos migrantes têm onde dormir, seja em casas de amigos, ou de familiares. Os demais serão recebidos em centros de acolhimento que serão instalados perto da fronteira. Lá, receberão comida e assistência médica, terão um lugar para dormir e contarão com um centro de informações sobre os procedimentos que precisam realizar. O diretor da Polícia de Fronteiras, Tomasz Praga, acrescentou, na entrevista coletiva, que apenas na sexta-feira cerca de 50 mil pessoas cruzaram a fronteira. A Polônia, onde cerca de 1,5 milhão de ucranianos viviam antes da invasão, expressou um forte apoio a Kiev. Até agora, recebeu a maior parte dos deslocados.
Cidade-fantasma
Em Kiev, agora uma cidade-fantasma abandonada por seus habitantes, os combates entre as forças russas e ucranianas acontecem na Avenida Vitória, uma das principais artérias da capital. Ontem, o prefeito da capital, Vitali Klitschko, afirmou que qualquer pessoa na rua entre as 17h e as 8h será tratada como um inimigo. Soldados ucranianos em patrulha garantiram à AFP que as forças russas estavam em posição de tiro a poucos quilômetros de distância. Sob um céu azul, os destroços de um caminhão militar atingido por um míssil ainda fumegavam, enquanto detonações eram ouvidas ao longe.
O metrô de Kiev está parado e agora serve de "abrigo" antiaéreo para os moradores, anunciou o prefeito Klitschko no aplicativo de mensagens Telegram. Um grande edifício residencial foi atingido por mísseis na manhã de ontem, segundo as autoridades ucranianas, que não informaram sobre vítimas. A noite foi “difícil”, disse o prefeito, garantindo que “unidades de sabotagem” de Moscou estão na cidade, mas que ainda não há unidades regulares do Exército russo.