Há menos de quatro anos, Volodymyr Zelensky era um dos comediantes mais populares da televisão ucraniana e ganhava a vida fazendo piadas escrachadas no programa Servant of the People (Servo do Povo), no qual interpretava um presidente da República acidental. Assim como seu personagem, um professor que acaba governando o país, o ator, formado em direito, nunca havia se envolvido com política. Por isso, muitos interpretaram como mais uma piada quando anunciou sua candidatura, em 2019, à Presidência.
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Esse papel, que, provavelmente, o ex-ator jamais pensou que encenaria, está sendo desempenhado com firmeza. Na sexta-feira, os Estados Unidos se ofereceram para retirá-lo da Ucrânia, diante do risco real de Zelensky e sua família serem assassinados. O presidente, porém, negou a oferta. "O inimigo me designou como alvo número um, e minha família como alvo número dois. Mas vou ficar nos aposentos do governo, junto com os outros", disse, acrescentando: "Preciso de munição, não de carona".
Zelensky tem se comunicado com a população usando as mesmas ferramentas que ajudaram a elegê-lo: as redes sociais. Assim como na campanha, feita totalmente pela internet, o presidente mostra-se próximo dos ucranianos — e, agora, do resto do mundo —, postando mensagens de texto e vídeo constantemente. Pelo twitter, ele informou, na noite de quinta-feira: "Cortamos relações diplomáticas com a Rússia". Na tevê e on-line, pediu calma e garantiu que o país sairia vitorioso: "Não entrem em pânico, estamos prontos para tudo. Vamos vencer".
"Marionete"
Com um discurso antissistema e anticorrupção, o ex-ator venceu as eleições com mais de 70% dos votos. Judeu e politicamente alinhado à direita, ele cresceu no sudeste da Ucrânia, na cidade industrial de Kryvyy Rih, em uma região pró-Rússia onde, inclusive, o russo é o primeiro idioma. Apesar de ter se formado em direito, optou por ser comediante — desde os 17 anos, ele fazia teatro. Um de seus vídeos mais acessados no Youtube mostra um jovem Zelensky, em 1997, tocando piano supostamente com o pênis, em um quadro humorístico. A popularidade do presidente quando ainda era apenas artista o levou a ser convidado para participar de diversos programas, chegando a ser vencedor da edição ucraniana da Dança dos Famosos em 2006.
Quando eleito, muitos comentaristas e adversários afirmaram que o presidente seria uma marionete do oligarca Igor Kolomoisky, que financiou sua campanha. Porém, surpreendeu, adotando uma postura antioligárquica, apesar de ter celebrado o aniversário de 2021 em uma festa patrocinada por Timur Mindich, parceiro de negócios de Kolomoisky. A comemoração rendeu uma série de críticas, especialmente porque reuniu 30 pessoas em um lugar fechado, todos sem máscara, em plena pandemia. Zelensky é casado com Olena Zelenska desde 2003 e tem dois filhos: Kiril e Aleksandra.
Em setembro de 2019, Zelensky viu seu governo no centro de um escândalo político nos Estados Unidos, com a denúncia de que o então presidente norte-americano, Donald Trump, ofereceu a ele um pacote de ajuda militar, em troca de uma investigação contra o atual mandatário, Joe Biden, e seu filho, Hunter. Sem ter provas, o magnata afirmou que Hunter Biden, que atuou no conselho do Burisma Holdings, um conglomerado de energia ucraniano, foi beneficiado pelo cargo do pai, vice-presidente de Barack Obama de 2009 a 2017.