Diante da maca ensanguentada em um hospital de Kiev, o médico examina o soldado Oleksiy, jovem ucraniano ferido nos ataques russos em seu avanço em direção à capital da Ucrânia.
Leia Mais
Ucrânia acusa soldados russos por estupro de mulheres em cidades ocupadasPutin diz que não tem plano para decretar lei marcial na RússiaCompanhia russa Aeroflot cancela voos internacionais a partir de 8 de marçoEle chegou procedente de Bucha, a 30 km da capital, onde o exército russo ataca de maneira intensa as tropas ucranianas para tentar romper a barreira que impede sua entrada em Kiev pela frente noroeste.
O soldado ferido está nu sob um fino lençol azul, que o médico levanta para examiná-lo. O pé direito está ileso, ao contrário do esquerdo, envolto em uma bandagem grossa e ensanguentada.
O médico pressiona a perna, coberta por uma grande tatuagem. Quando chega à altura das nádegas, o soldado se contorce de dor. "Relaxe, relaxe", afirma o doutor.
O médico Oleksandr Shcherbyna, diretor do hospital, está preocupado com o ferimento na perna esquerda. "Ele vai sobreviver, mas temos que tentar evitar a amputação", explica.
Localizado na zona norte de Kiev, o hospital é um dos centros públicos mais próximos da frente de batalha de Bucha e é possível ouvir as explosões.
Em outro quarto do hospital, quatro soldados feridos, também feridos em Bucha, recebem atendimento.
"Estávamos em uma operação de reconhecimento e caímos diante de uma coluna inimiga que avançou sem que a víssemos", explica o soldado Motyka, de 29 anos.
"Lutamos e matamos soldados a pé, mas eles nos inundaram com disparos de morteiro", lembra. Pressionado, o batalhão ucraniano teve que optar pela retirada. "Eles nos cercaram", explica Motyka.
"Vários de nossos homens morreram, incluindo um comandante da minha unidade, que nos deu cobertura e se sacrificou", recorda.
Ele foi atingido por estilhaços. Seu colega Kravchenko, de 25 anos, foi atingido no ombro.
Até o momento, o governo da Ucrânia não divulgou um balanço sobre as baixas entre os militares e informou a morte de 350 civis na guerra. A Rússia anunciou na quarta-feira que perdeu 498 soldados na ofensiva.
Os jovens Motyka e Kravshenko têm tatuagens - caveiras e símbolos ultranacionalistas - que mostram que integram o polêmico batalhão de Azov.
"Nem racistas nem nazistas"
Este regimento, formado em 2014 por voluntários ucranianos e estrangeiros para lutar ao lado do exército oficial contra os separatistas pró-Rússia do leste do país, é conhecido pelos combates violentos.
Integrado oficialmente desde então às forças do governo da Ucrânia, o batalhão de Azov é acusado por ONGs e analistas ocidentais de abusos graves - detenções arbitrárias, execuções sumárias e torturas - e de ter entre suas fileiras combatentes neonazistas.
Uma reputação que o soldado Kravshenko nega.
"Não tenham medo de nós, não nos demonizem! Não somos racistas nem nazistas! O batalhão de Azov reúne pessoas diferentes, de países diferentes países, e amamos nossos aliados ocidentais", afirma.
Após a recuperação, "em algumas semanas" no máximo, acreditam, Motyka e Kravshenko retornarão aos combates. "Nossa moral está no nível mais elevado", declara o primeiro.
No corredor, o dr. Shcherbyna garante que o hospital consegue atender o fluxo de feridos. "Com o toque de recolher, temos menos pacientes civis, temos apenas estes casos urgentes", explica.
E depois? O diretor do hospital para por alguns segundos. "Depois, eu não sei o que vai acontecer", afirma, triste, enquanto as explosões continuam na frente de batalha de Bucha.