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Estado de Minas RÚSSIA X UCRÂNIA

Guerra na Europa: 'Vejo como única saída, uma Ucrânia independente'

Professores da USP e da PUC Minas dizem que provável saída para o conflito será a neutralidade ucraniana, para que o país conviva, sem riscos, 'com dois mundos'


14/03/2022 04:00 - atualizado 13/03/2022 23:18

homem armado na cidade ucraniana de Kharkiv em frente a uma janela
Kharkiv, cidade ucraniana perto da fronteira com a Rússia: história tem exemplos de saídas diplomáticas no século 19 para guerras entre grandes potências (foto: Sergey Bobok/AFP)

Sob a influência Ocidental, de hegemonia norte-americana e ao mesmo tempo à porta da Ásia, na vizinhança imediata da Rússia – país inserido em um novo bloco de influência global que se conforma em torno da China –, a neutralidade da Ucrânia pode trazer uma perspectiva para o imediato fim da guerra. A avaliação é de Danny Zahreddine, diretor do Instituto de Ciências Sociais da PUC Minas, especialista em relações internacionais. “Vejo como uma única saída, uma Ucrânia independente, soberana, que possa conviver com os dois mundos, sem pô-los em risco”, considera.

A história oferece exemplos bem-sucedidos dessa saída diplomática para conflitos: a Bélgica, entre grandes potências do século 19 – Reino Unido, o Império Austríaco, a França, o Reino da Prússia e o Império Russo - foi reconhecida pelo Tratado de Londres (1839) como nação independente e perpetuamente neutra, o que deveria ser guardado por todos os signatários em caso de sua invasão.

“A Bélgica foi criada para contemporizar as disputas europeias. O Líbano, para sobreviver, tinha de ter posição de neutralidade mas foi tragado para dentro dos conflitos. A Mongólia, entre a China e a Rússia, é uma zona de amortecimento”, afirma Zahreddine.


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Em decorrência da superioridade militar russa, a neutralidade ou a guerra de guerrilha como forma de resistência à ocupação russa, são os dois caminhos para a Ucrânia no curto prazo, avalia o professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), Angelo de Oliveira Segrillo. Eleito com uma plataforma antipolítica e de adesão à União Europeia e à Otan, a decisão pela neutralidade da Ucrânia, contudo, não é uma decisão politicamente fácil para o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky.

Em primeiro lugar, porque, sem as províncias insurgentes Donetsk e Luhansk, do Leste da Ucrânia (Donbass), - e sem a Criméia, de maioria étnica russa – a população ucraniana, é, segundo Segrillo, majoritariamente favorável à adesão à União Europeia, pró-Otan e contrária à Rússia. É nesse contexto em que para a neutralidade é necessária uma mudança constitucional, um recuo dramático para políticos que a partir de 2014 fizeram a carreira com a narrativa anti-Rússia.

Danny Zahreddine, diretor do Instituto de Ciências Sociais da PUC Minas, em foto no câmpus
O professor Danny Zahreddine, diretor do Instituto de Ciências Sociais da PUC Minas, acredita que possível saída seria a neutralidade ucraniana (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press %u2013 6/3/20)


“Em 2019, os ucranianos colocaram na Constituição que era dever do parlamento e do presidente da República implementar a entrada da Ucrânia na União Europeia e na Otan. Para assumir status de país neutro, vão ter de mudar a Constituição. Ou é isso ou a Rússia vai ocupar o país inteiro e impor um governo. Talvez Zelensky tenha de aceitar a neutralidade”, afirma Segrillo.

O último território de amortecimento

Ao lado do avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sobre a fronteira oriental e a escalada de tensões entre o Ocidente e a Rússia, pela influência sobre a Ucrânia, – o último território de amortecimento –, é o detonador da invasão russa, avalia Danny Zahreddine. A partir de 2014 uma sequência de eventos são marcadores que apontam para o atual desenlace: a Revolução Colorida ucraniana, o golpe de estado que derrubou o presidente eleito Viktor Yanukovych, de orientação pró-russa e a anexação da Criméia pela Rússia.

“Há uma concertação de forças para mudar os vetores de aproximação com a Ucrânia e de distanciamento desta com a Rússia. O Ocidente vai se aproveitar desse espaço da tensão que a Ucrânia vive, que é parte de sua história, por estar voltada para o Ocidente e a Rússia para estimular financeiramente e politicamente, os grupos de extrema direita que atuam para derrubar o governo eleito pró-russo”, diz Danny Zahreddine.



Nesse sentido, para ele, há mais elementos envolvidos do que simplesmente a versão de que a revolução teria sido uma manifestação de baixo para cima, que ocorrera tardiamente influenciada e na sequência da Primavera Árabe. “Houve também a tentativa clara do Ocidente de incitar e se aproveitar desse processo político”, considera o professor.

Trump, Biden e Putin

Mais recentemente, a ascensão dos democratas nos Estados Unidos também ajudaram a recrudescer as tensões na região. “No período de Donald Trump, Putin não estava tão preocupado com a atuação norte-americana na Ucrânia, pois o governo se baseava na ideia da “American First”, inclusive diminuiu os investimentos na Otan. Mas quando os democratas assumem 2021, voltam com a perspectiva internacionalista e o próprio Volodymyr Zelensky viu uma oportunidade para um discurso mais agressivo em direção à União Europeia”, aponta o professor.

"A Rússia tem razão em dois pontos muito importantes, mas em minha avaliação, que não justificam a invasão da Ucrânia"

Angelo de Oliveira Segrillo, professor de história contemporânea da USP



Estados Unidos se envolve profundamente e acompanha com grande preocupação o desenrolar da guerra porque os resultados dela terão impacto sobre a ordem mundial. “Se os russos se saírem bem, significa que a ordem se consolida em outra direção. Não interessa aos Estados Unidos que isso ocorra. Mas o que podem fazer? Não podem usar os seus caças, os seus cruzadores, não podem usar as armas de destruição em massa”, avalia Danny Zahreddine.

Impacto das sanções econômicas

Além de enviar à Ucrânia armamentos defensivos, o Ocidente trabalha pelo flanco econômico, impondo sanções à Rússia. Mas estas, considera Zahreddine, terão impacto na economia global, ao mesmo tempo em que fortalecem o campo gravitacional asiático.

Ao longo das últimas décadas, a Rússia vem aprofundando uma cooperação com a China, descrita como “sem limites” por ocasião da abertura da Olimpíada de Inverno de Pequim, em comunicado divulgado conjuntamente entre os presidente da Rússia Vladimir Putin e da China, Xi Jiping.

"Se os russos se saírem bem, significa que a ordem se consolida em outra direção. Não interessa aos EUA. Mas o que podem fazer?"

Danny Zahreddine, diretor do Instituto de Ciências Sociais da PUC Minas



Os dois líderes acusaram  “certos Estados e certas alianças e coalizões políticas e militares” de minar a “estabilidade estratégica global” ao se comportarem de acordo com uma “ideologia da Guerra Fria” e tentarem impor “seus próprios padrões democráticos” a outros países.

Uma nova ordem mundial?

“Retirar a Rússia do sistema de depósito Swift é um problema, mas a China tem um Swift 2.0 que é dela. O que os americanos e europeus estão fazendo é permitir a quebra do monopólio do Swift. “Quanto mais as sanções pesarem contra os russos, maior vai ser o empoderamento chinês. E a posição da China é como diz o ministro das relações exteriores da China: a amizade entre a Rússia e a China é inquebrantável.

Para Danny Zahreddine, se a Rússia vencer militarmente a guerra, uma nova ordem mundial vai se consolidar com princípios diferentes. “Estados Unidos mandarem armas para a Ucrânia, atrapalha a Rússia, mas vai fortalecendo o discurso da hostilidade e da insensibilidade do Ocidente com as questões de segurança da Rússia. Putin fala: ‘eu não interferi no Afeganistão, não interferi diretamente no Iraque, não mobilizei o mundo contra os Estados Unidos para resolver os problemas de segurança dos Estados Unidos’. Daí que Putin alega não poder confiar nas promessas e nas palavras do Ocidente. Essa desconfiança gera, por um lado, o desejo de resistência para a mudança de ordem e, por outro lado, continuando a fazer isso, reforça o curso  de ação do Putin, pois ele não vai retroceder. É realmente um ponto de virada”, analisa o professor.

ENTREVISTA/Angelo de Oliveira Segrillo, professor de história contemporânea da USP

"Talvez o Zelensky tenha de aceitar a neutralidade"
Angelo de Oliveira Segrillo, professor de história contemporânea da USP, durante sessão no Senado
(foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Como avalia a posição da Rússia nesse conflito?
A Rússia tem razão em dois pontos muito importantes, mas em minha avaliação, que não justificam a invasão da Ucrânia. A expansão da Otan é realmente um problema, nenhuma grande potência permite que uma aliança militar avance até ela, ou a cerque. Por exemplo, em 1962 os soviéticos iam instalar mísseis em Cuba e os Estados Unidos não aceitaram.

E em 2014, os russos têm razão em outro ponto. A Ucrânia, assim como a Rússia é um estado multinacional, não é baseada em direito de solo (Jus Solis). A nacionalidade da pessoa é a do pai ou da mãe (Jus Sanguinis), não tem nada a ver com o local em que nasce. Isso eterniza as diferenças étnicas, que eles chamam de nacionais, são nacionalidades diferentes. Tanto a Rússia quanto a Ucrânia têm dezenas de nacionalidades. A Ucrânia é um estado multinacional com a maioria dos cidadãos de etnia ucraniana mas, em 2014, havia outras nacionalidades, inclusive a russa - 30%.

Até 2014 havia uma boa convivência em geral, tanto que havia uma alternância de presidentes cidadãos de origem étnica ucraniana ora presidentes cidadãos ucranianos de origem étnica russa. Mas em 2014 havia um presidente de origem étnica russa, o Víktor Yanukóvytch, eleito democraticamente, que foi derrubado por uma rebelião popular e racharam os dois campos. As províncias de maioria étnica russa não aceitaram e iniciaram a rebelião. E está nesse impasse desde 2014.

Os russos reclamam que estão ocorrendo revoluções coloridas fomentadas pelo Ocidente - e parcialmente tem isso, há muitas ongs ocidentais que enfatizam muito a democracia ocidental como melhor caminho. Mas acho exagero em dizer que é só isso. Há também nesses países, insatisfações com o que consideram um imperialismo russo.

Além da desmilitarização e neutralidade da Ucrânia, uma outra exigência de Putin para encerrar a guerra é o reconhecimento da Crimeia, anexada em 2014, no mês seguinte ao golpe que derrubou o presidente ucraniano pró-russo. Qual é a importância estratégica da Crimeia para a Rússia?
A questão da Crimeia é um pouco diferente das duas outras províncias de Donetsk e Luhansk, separatistas de maioria étnica russa, onde também vivem ucranianos étnicos. A Criméia é diferente: até 1954, era da Rússia. A população era 90% de russos étnicos. Naquele ano, o presidente da União Soviética Nikita Khrushchov de uma canetada presenteou a Ucrânia com a Crimeia.

Naquela época não era problema, pois todas as repúblicas eram parte da União Soviética. Mas depois que se separaram as 15 repúblicas da União Soviética, isso se tornou um problema. A Criméia continuou na Ucrânia, mas aí há mais um detalhe: a frota da marinha russa de águas quentes do Mar Negro estava toda na Criméia. Fizeram acordo, a Rússia pagava aluguel, até 2014. Mas quando houve o golpe, Putin não quis saber e anexou a Criméia, por causa da frota russa.

O presidente da Ucrânia fez algum gesto para negociar com a Rússia o fim da guerra? A neutralidade não seria interessante para a Ucrânia?
Em minha avaliação seria interessante, mas na de Zelensky, não. Quando Putin declara a independência das duas providências separatistas, está dando tiro no pé. Isso porque agora a Ucrânia fica 100% contrária à Rússia em favor da União Europeia. Devida à superioridade militar dos russos, os ucranianos vão ter de aceitar alguma coisa sim, ou partir para uma guerra de guerrilha. Talvez caminhe nessa direção, a Ucrânia tendo de aceitar e mudar a Constituição, pois em 2019, os ucranianos colocaram na Constituição que era dever do parlamento e presidente tentar implementar a entrada na União Europeia e na Otan.

Vão ter de mudar a Constituição para assumir status de país neutro. Ou é isso ou a Rússia vai ocupar o país inteiro e impor um governo. Talvez o Zelensky tenha de aceitar a neutralidade. As exigências do Putin são aceitar a neutralidade e reconhecer a anexação da Crimeia.


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