O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chamou ontem o mandatário russo, Vladimir Putin, de “criminoso de guerra” pela invasão da vizinha Ucrânia. “Eu penso que ele é um criminoso de guerra”, respondeu Biden a uma jornalista que o questionou na Casa Branca durante a saída de um evento dedicado à luta contra a violência doméstica. A secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, disse que Biden estava “falando com o coração” depois de ver imagens na televisão de “ações bárbaras de um ditador brutal em sua invasão de um país estrangeiro”. Psaki detalhou que “um procedimento jurídico (estava) ainda em curso no Departamento de Estado” com respeito a uma qualificação legal de “crimes de guerra” cometidos pela Rússia na Ucrânia.
O Kremlin reagiu quase que instantaneamente, qualificando de “inaceitável e imperdoável” a declaração de Biden. “Consideramos inaceitável e imperdoável semelhante retórica por parte de um chefe de Estado, cujas bombas mataram centenas de milhares de pessoas em todo o mundo”, declarou o porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, citado pelas agências Tass e Ria Novosti.
Mais cedo, o presidente Vladimir Putin considerou que as sanções e condenações ocidentais que afetam o governo da Rússia, sua economia e cultura são comparáveis às perseguições contra os judeus. “O Ocidente deixou cair a máscara da decência e começou a agir de maneira odiosa. Há paralelos com os pogroms antissemitas”, disse em uma reunião do governo exibida pela televisão. Putin, avaliou que sua operação militar na Ucrânia é um “sucesso”, afirmando que Moscou não deixará este país se transformar em uma “cabeça de ponte” para “ações agressivas” contra a Rússia.
Até agora, nenhum funcionário americano tinha utilizado publicamente os termos "criminoso de guerra" ou "crimes de guerra", ao contrário de outros Estados e organizações internacionais. O responsável pela política externa da União Europeia, Josep Borrell, por exemplo, classificou na semana passada de “atroz crime de guerra” o bombardeio russo de um complexo que abrigava uma maternidade e um hospital pediátrico em Mariupol, que deixou três mortos, entre eles uma criança, e 17 feridos.
“O que vimos do regime de Vladimir Putin com relação ao uso de munições lançadas sobre civis inocentes, isso já constitui, na minha opinião, um crime de guerra”, assinalou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em 2 de março. Por outro lado, o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, que investiga denúncias de crimes de guerra na Ucrânia, visitou o país e falou por videoconferência com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, informou ontem a instituição.
Putin ordenou uma invasão em larga escala da Ucrânia há três semanas, dizendo que a Rússia quer forçar a desmilitarização do país vizinho e a derrubada do governo pró-ocidente. As Forças Armadas da Ucrânia, que estão recebendo um enorme fluxo de armas dos países ocidentais, vêm resistindo e conseguindo frear, em grande medida, o avanço russo. Com isso, as tropas russas têm recorrido cada vez mais aos bombardeios sobre áreas civis. Mais de três milhões de pessoas já fugiram da Ucrânia desde o começo da invasão, segundo a agência de migração das Nações Unidas, a OIM.
Ajuda militar
Joe Biden autorizou ontem uma ajuda militar maciça para a Ucrânia, pouco depois de o chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, implorar ao Congresso dos EUA pela criação de uma zona de exclusão aérea sobre o seu país, um pedido que não foi atendido. “Você é o líder de uma nação, da sua grande nação. Espero que você seja o líder do mundo. Ser o líder do mundo é ser o líder da paz”, afirmou Zelensky, ao se dirigir a Biden durante um discurso por videoconferência retransmitido ao vivo no Congresso e em todas as emissoras de televisão do país.
Pouco depois, Biden confirmou uma ajuda militar adicional de US$ 800 milhões à Ucrânia, o que representa um pacote “sem precedentes” de US$ 1 bilhão no espaço de uma semana para ajudar o exército ucraniano a se defender das tropas russas que invadem o país. Contudo, como era de se esperar, Biden não atendeu ao pedido de estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia porque, para Washington, isso levaria a um confronto direto com a Rússia e, como disse o próprio Biden em outra ocasião, à “terceira guerra mundial”.
Apelo
Zelensky falou pela primeira vez diante do plenário do Congresso dos Estados Unidos, após uma iniciativa semelhante nos parlamentos britânico e canadense. Em um tom grave e raivoso em alguns momentos, o presidente ucraniano implorou aos Estados Unidos e a seus aliados ocidentais que fizessem mais para salvar o seu país da invasão russa, lembrando-os dos períodos mais sombrios de sua história.
“Em sua grande história, vocês têm páginas que permitem que entendam os ucranianos”, “lembrem-se de Pearl Harbor, naquela terrível manhã de 7 de dezembro de 1941, quando seu céu foi escurecido pelos aviões que os atacavam”, disse, ao se referir ao ataque aéreo contra a base naval que motivou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. “Lembrem-se de 11 de setembro, aquele terrível dia de 2001”, acrescentou.
O presidente ucraniano também lembrou as mais de 100 crianças que morreram, “cujos corações não batem mais” por causa da guerra. O dirigente de 44 anos disse aos congressistas que não vê “o sentido da vida se não é possível deter a morte”. O comediante transformado em líder em tempos de guerra parafraseou o discurso "I have a dream" ("Eu tenho um sonho", em tradução livre), do ativista negro dos direitos civis Martin Luther King, para pedir aos legisladores a criação de uma zona de exclusão aérea.
“Eu tenho um sonho, essas palavras são conhecidas por todos vocês. Hoje, posso dizer, tenho uma necessidade, a necessidade de proteger nossos céus. Eu preciso da decisão de vocês, da ajuda de vocês. É pedir demais criar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, para salvar as pessoas? É pedir demais uma zona de exclusão aérea humanitária?", acrescentou, antes de exibir um vídeo emotivo de seu país sendo bombardeado. Zelensky foi apluadido de pé por todos os legisladores.