Nas últimas três semanas, desde a deflagração da guerra na Ucrânia, o governo de Vladimir Putin tem enfrentado uma forte reação popular, a despeito da legislação que pune severamente manifestações no país. Quase 15 mil pessoas já foram presas por participação em protestos, a maior parte delas em Moscou. Muitos deixaram a Rússia. Agora, Putin subiu o tom, atacou os "falsos patriotas" e previu a "purificação" do país, numa sinalização de que vai endurecer a repressão interna.
"Cada povo, e especialmente o povo russo, sempre será capaz de distinguir os verdadeiros patriotas da escória e dos traidores, e simplesmente vai cuspi-los como se fossem uma mosca que entrou na boca", disse o líder russo, em um discurso ao seu governo, transmitido pela televisão, "Estou convencido de que essa necessária e natural autopurificação da sociedade fortalecerá nosso país", acrescentou.
No pronunciamento, Putin voltou a defender a "operação militar especial" na Ucrânia — chamar a ofensiva de guerra é passível de multa e prisão. O chefe do Kremlin também comparou o Ocidente aos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
"Como nos anos 1990, início dos anos 2000, eles, agora, novamente. querem repetir sua tentativa de nos pressionar, nos transformar em algo fraco, dependente, violar a nossa integridade territorial, desmembrar a Rússia da melhor maneira possível para eles. Não deu certo naquela época e não vai dar certo agora", advertiu. Alvo de sucessivas sanções internacionais, a Rússia enfrenta um isolamento político, econômico e diplomático.
De acordo com Putin, "o império da mentira", que inclui países, veículos de comunicação e redes sociais ocidentais, vai querer se apoiar em "uma quinta coluna de nacional-traidores" para alcançar seus objetivos antirrussos. Foi um recado aos magnatas russos que vivem no exterior e criticam a ofensiva na Ucrânia.
Porta-voz de Putin, o diplomata Dmitri Peskov, que recentemente foi alvo de sanções internacionais, ecoou as palavras do chefe. "Nesse tipo de situação, acontece que muitas pessoas são traidoras e vão embora das nossas vidas por si mesmas. Alguns se demitem, outros saem do país. É uma purificação. Outros violam a lei e são punidos conforme a lei", enfatizou.
A manifestação do Kremlin acontece três dias depois do protesto de maior repercussão internacional. A jornalista Marina Ovsyannikova invadiu o estúdio do telejornal russo mais assistido no país para condenar a guerra. Ela também gravou e divulgou um vídeo, no qual chamou a guerra de "fratricida" e disse se envergonhar de ter prticipado de "propaganda" feita pela emissora ao longo dos anos.
Multada em 30 mil rublos (cerca de R$ 1,4 mil) pelo vídeo, Marina está sujeita a uma pena de até 15 anos de prisão. O presidente da França, Emmanuel Macron, ofereceu asilo à jornalista, que recusou. Pelo menos por enquanto, a despeito dos riscos, ela pretende permanecer em Moscou.
Um número indeterminado, mas significativo, de russos, em contrapartida, deixou o país nas últimas três semanas, devido à política de endurecimento do governo em relação aos que se opõem ao ataque. "Mas muitas pessoas realmente querem apoiar nosso presidente, e é a grande maioria", frisou Peskov.
Bloqueio
Com a guerra entrando na quarta semana, Moscou reforça, cada vez, mais seu controle sobre as notícias publicadas on-line sobre o conflito. Nos últimos dias, a agência russa reguladora do setor de telecomunicações, a Roskomnadzor, bloqueou os sites de pelo menos 30 meios de comunicação, segundo a agência de notícias France Presse (AFP).
As páginas on-line do veículo investigativo Bellingcat, de jornais locais e de veículos em russo baseados em Israel e na Ucrânia ficaram inacessíveis na quarta-feira na Rússia, sem uma rede privada virtual (VPN, na sigla em inglês). Os sites aparecem na lista oficial de páginas bloqueadas pela Roskomnadzor.
Entre os portais com sede na Rússia que foram alvo da medida está o canal independente Kavkazki Uzel (Kavkaz-uzel.eu), que cobre o Cáucaso. A Roskomnadzor também suspendeu o acesso a dois canais russófonos baseados em Israel, onde há uma comunidade significativa que migrou da antiga União Soviética: 9 TV Channel Israel (www.9tv.co.il) e Vesty Israel (www.vesty.co.ill).
Veículos ucranianos (novosti.dn.ua; bukinfo.ua) e um da Estônia, que tem uma versão russa (Postimees), também foram bloqueados. No esforço para controlar as informações divulgadas na internet, estão inacessíveis as redes americanas Twitter, Facebook e Instagram, assim como outras mídias russófonas que criticam o Kremlin.
Foi um abraço mais do que aguardado. Ontem, o garoto Hassan Al-Khalaf, 11 anos, finalmente pôde reencontrar a mãe, após uma jornada que lhe rendeu o título de herói. Com apenas um número de telefone na mão e sozinho, Hassan fez uma viagem de 1.600km entre Zaporizhzhya, no leste da Ucrânia, e Bratislava, capital da Eslováquia. O trajeto foi feito a pé e de trem. Yulia Volodymyrivna Pisecka colocou o filho em uma locomotiva com destino ao país vizinho e precisou ficar alguns dias na Ucrânia, cuidando da avó materna de Hassan, que não pode andar e tem 84 anos. "Tivemos que escapar para que nossa família pudesse se reunir novamente. Temos que começar do zero. Perdemos tudo, mas estamos com saúde", disse Yulia ao tabloide britânico The Sun. "Minha esperança me carregou pelo caminho", desabafou Hassan, durante uma uma entrevista, antes de participar de uma manifestação contra a guerra, em Bratislava.