Entre sacos de areia e armas em punho, Kiev aguarda o ataque do exército russo, mesmo que as tropas invasoras pareçam empacadas no noroeste e leste da capital, novamente sob toque de recolher nesta terça-feira (22).
Sirenes antiaéreas e detonações distantes compõem a trilha sonora diária dos que resistem na cidade, estranhos tambores de guerra para uma cidade fantasma, banhada por um sol quase primaveril que faz brilhar as cúpulas douradas da Catedral Ortodoxa de Santa Sofia.
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"Para as pessoas é uma oportunidade de respirar um pouco", diz Alexis, professor de alemão antes da invasão, e que agora guia uma equipe da AFP pela cidade. "De qualquer forma, eles estão traumatizados, não têm vontade de sair"
"Moral alta"
Grande parte dos 3,5 milhões de habitantes de Kiev, especialmente mulheres e crianças, fugiram da capital desde o início do conflito em 24 de fevereiro. Permanecem, sobretudo, homens mobilizados pelo exército e pessoas mais velhas.
O toque de recolher "é como uma pausa", sorri Maxim Kostetskyi, advogado de 29 anos. "Não sabemos se os russos continuarão tentando cercar a cidade, mas nos sentimos muito mais seguros, o moral está alto", garante este membro de uma unidade de voluntários.
Apenas carros de polícia, caminhões militares e alguns veículos civis ocupados por homens armados circulam pelas ruas desertas da cidade.
As pichações dizem: "Exército russo, foda-se!", "Glória à Ucrânia" ou simplesmente "Stop" em blocos de cimento ou na estrada anunciando os inúmeros postos militares espalhados pela cidade.
E no oeste, norte e leste da capital, não há cruzamento que não esteja cortado por um muro de sacos de areia ou cercas antitanque feitas de barras metálicas cruzadas.
Cada intrusão de um veículo alerta soldados e voluntários que, com os dedos no gatilho, não relaxam até ouvirem a senha que os faz baixar a guarda antes de permitir que o carro atravesse a barreira.
Drones e "sabotadores"
Fala-se menos obre "sabotadores" russos infiltrados, mas a caçada continua. Após o ataque de um míssil russo contra um shopping center no noroeste da cidade, onde segundo Moscou estavam escondidas munições e artilharia, aumenta o medo de drones espiões ou fotos em redes que denunciem posições ucranianas.
Uma espessa fumaça preta sobe na direção de Irpin, cerca de dez quilômetros a noroeste, onde os canhões trovejam. Essa cidade está agora fora dos limites para os jornalistas.
"Os soldados sabem o que têm que fazer, conhecem o seu trabalho. Há uma razão para este toque de recolher", diz Olga Alievska, de 38 anos, que acredita que "os russos não querem e, sobretudo, não podem tomar Kiev".
"Seus bombardeios são mais direcionados a alvos militares no momento, a hora de bombardear civis ainda não chegou", analisa a executivo de marketing, que permaneceu na cidade.
Indiferente ao toque de recolher, uma mulher de sessenta anos passeia com seus cães no gramado do Memorial às vítimas da Grande Fome dos anos 1930.
As barricadas de sacos de areia voltaram para a emblemática praça Maidan e ruas vizinhas.
"Hoje estamos otimistas, mesmo que não tenhamos outra escolha", continua Maxim. "Estamos protegendo nosso país de alguém, Vladimir Putin, que só quer destruí-lo."