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Estado de Minas REVIRAVOLTA

O caso da mulher condenada a 100 chibatadas por sexo extraconjugal

Paola Schietekat tinha um emprego dos sonhos organizando a Copa do Mundo do Catar 2022 em Doha quando disse que foi vítima de uma agressão física, só que sua queixa à polícia se voltou contra ela. Agora, ela obteve uma decisão favorável na Justiça local.


05/04/2022 10:56 - atualizado 05/04/2022 11:44


Paola Schietekat
Vida de Paola Schietekat virou do avesso ao denunciar agressão (foto: Instagram/Paola Schietekat)

Uma mulher mexicana que havia sido condenada, no Catar, a sete anos de prisão e cem chibatadas por denunciar uma agressão sofrida por ela própria teve uma decisão favorável na Justiça do país árabe.

Paola Schietekat havia chegado à capital do Catar, Doha, em fevereiro de 2020 para trabalhar para o governo na organização da Copa do Mundo de 2022.

Depois de um ano e meio morando lá, ela conta que foi vítima de uma agressão física. Mas quando procurou as autoridades para registrar a queixa, o caso se voltou contra ela: Paola foi acusada de "sexo extraconjugal", um crime sob a lei islâmica.

A jovem de 27 anos foi condenada a sete anos de prisão e cem chibatadas. E, surpreendentemente, foi dada a ela uma alternativa: ela poderia se livrar da pena, mas para isso teria que casar-se com seu agressor. O caso ganhou visibilidade porque foi visto como um símbolo da vulnerabilidade de mulheres no país que se prepara para sediar o principal evento do futebol mundial.

"Após esse processo, percebi que, apesar de meus diplomas acadêmicos, preparação profissional, independência financeira e apesar de trabalhar para o governo do Catar, sou vulnerável a violações de direitos humanos por instituições arcaicas e abusivas, e incapaz de encontrar proteção em meu consulado", denunciou Schietekat em um post no Facebook em que expôs o caso.

A jovem conseguiu deixar o Catar no ano passado, mas desde então argumenta que a Justiça não foi feita em seu caso e que seu agressor está livre.

E ela diz que mexicanos, e também minorias, como mulheres e pessoas LGBT que vão visitar aquele país para a Copa do Mundo, podem ser vítimas do sistema catariano.

O chanceler mexicano Marcelo Ebrard se encontrou com ela em fevereiro e afirmou que colocaria à sua disposição o melhor advogado para defendê-la.

Ela lamentou não ter recebido apoio até seu caso ganhar as manchetes na imprensa mexicana e internacional.

Até que, neste domingo (3/4), a Secretaria de Relações Internacionais do México informou que o processo penal contra Schietekat foi devolvido pelo juiz ao órgão equivalente à Procuradoria, depois de os argumentos da defesa terem sido ouvidos. Isso, na prática, "conclui o processo penal" em favor de Schietekat, segundo ela própria informou no Twitter.

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— Paola Schietekat %uD83D%uDC9C%uD83D%uDC9A%uD83D%uDC97%uD83C%uDDF5%uD83C%uDDF8 (@paola7kat) April 4, 2022

"Embora esse seja um grande passo na direção correta, o caso segue aberto e ainda há uma acusação contra mim por parte da Procuradoria", afirmou a mexicana em sua postagem.

"Isso significa que, ainda que não seja convencional, a Procuradoria pode voltar a remeter o caso à Corte Criminal. O objetivo final que buscamos - eu e a Chancelaria - é que a Procuradoria encerre definitivamente o caso."


Un anuncio de Qatar 2022
(foto: Getty Images)

Denúncia de agressão

Morando no Oriente Médio desde 2019, Paola mudou-se para o Catar em fevereiro de 2020 para trabalhar como economista do Comitê Supremo, entidade encarregada de organizar a Copa do Mundo do Catar 2022.

Era um emprego dos sonhos, como ela mesma disse, até ser abruptamente interrompido em 6 de junho de 2021.

Segundo a denúncia da jovem mexicana, um conhecido dela da comunidade latina de Doha forçou a entrada no apartamento dela à noite, enquanto ela dormia, e a agrediu fisicamente, deixando vários ferimentos no braço e no abdômen.


Paola Schietekat mostra agressões
Autoridades do Catar afirmaram que Paola poderia se livrar da pena desde que se casasse com agressor (foto: Facebook/Paola Schietekat)

Ela foi à polícia para denunciar o ataque, mas diz que, com domínio insuficiente do árabe e falta de aconselhamento do consulado mexicano ou de um advogado externo, as coisas logo se complicaram.

"O cônsul não me aconselhou sobre como minha denúncia poderia ser usada contra mim", afirmou a jovem à imprensa mexicana.

Isso porque, ao buscar chegar às últimas consequências jurídicas - como recomendou o cônsul mexicano no Catar, Luis Ancona, segundo ela -, a lei islâmica coloca as mulheres em posição de desvantagem em relação aos homens.

Seu agressor foi chamado para comparecer perante as autoridades, mas usou um argumento que o favoreceu: alegou ter um relacionamento com Paola.

"Embora não houvesse provas para apoiar a acusação dele, também não havia presunção de inocência para mim. E mesmo que eu fosse vítima, as autoridades me tratavam como criminosa", disse a jovem.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores do México, as autoridades do Catar iniciaram uma investigação "que resultou na acusação da cidadã e seu agressor pelo crime de zina".

Assim se definem as relações sexuais fora do casamento ou as relações pré-matrimoniais, puníveis com até sete anos de prisão e cem chibatadas.


Mulher recebe chibatadas
Tanto mulheres como homens podem ser condenados a açoitamento público sob lei islâmica (foto: Getty Images)

"A legislação do Catar pune severamente alguns comportamentos sob o código religioso (sharia)", explica o ministério.

No processo, a polícia tentou submetê-la a "um teste de virgindade", que Paola descreveu como um "ato desumanizante, humilhante e revitimizador" do qual ela conseguiu se livrar apresentando à força uma certidão do divórcio pelo que passou anteriormente.

"O Ministério Público me liberou com a condição de que eu deixasse meu celular à disposição deles para concluir a investigação do caso de 'fornicação'", disse ela.

Embora tenha sido libertada sob fiança, isso também aconteceu com seu suposto agressor — e, por isso, ela conta que temia por sua integridade caso permanecesse no país.

Schietekat destacou que a embaixada mexicana no Catar lhe ofereceu "acompanhamento" a princípio, mas fez isso "com uma notória ignorância da cultura, das leis e da língua locais, o que facilitou a má interpretação da Justiça".

"O apoio que recebi do cônsul foi mínimo e desdenhoso", criticou ela, acrescentando que, uma vez que contratou um advogado externo, as autoridades mexicanas a deixaram por conta própria.

Diante dos contatos do agressor através das redes sociais, sugeriram "fechar a porta e seguir em compasso de espera", disse a jovem na sua denúncia pública.

Schietekat conseguiu deixar o Catar 20 dias após o ataque.

O Ministério das Relações Exteriores do México disse em comunicado em fevereiro que a embaixada "apoiou a cidadã e garantiu que o devido processo legal seja respeitado, de acordo com as leis vigentes naquele país".

https://www.instagram.com/p/B9Q5-irhZ2W/

Mas para Schietekat, essa declaração teve "o objetivo de me invalidar. Em nenhum momento houve expressão de um pouco de empatia. Houve declarações falsas", disse ela.

Muitos mexicanos manifestaram apoio à jovem, que disse esperar que a justiça seja feita em seu caso e até considerava a possibilidade de retornar ao Catar.

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