Jornal Estado de Minas

CARTUM

Polícia usa gás lacrimogêneo contra manifestantes antigolpistas no Sudão

A polícia sudanesa lançou, nesta quarta-feira (6), bombas de gás lacrimogêneo para dispersar protestos contra o golpe militar de outubro passado, deixando um jovem manifestante morto, segundo uma fonte médica.



Os manifestantes foram convocados por um duplo aniversário, os das revoltas de 1985 e 2019 que em 34 anos de diferença provocaram a queda de dois presidentes golpistas.

Milhares de manifestantes participam de protestos tanto na costa leste como em Darfur, uma região ocidental devastada pelas guerras, aos gritos de "Não ao poder militar" e "O povo elegeu civis", informaram testemunhas à AFP.

Na capital, Cartum, em pleno mês de jejum muçulmano do Ramadã, o governo decretou feriado e a manifestação convocou milhares de manifestantes.

A polícia disparou bombas de gás lacrimogêneo contra colunas de participantes, reportaram testemunhas.

À noite, o sindicato anunciou a morte de um manifestante de 19 anos, elevando o balanço de mortos a 94 desde o golpe de 25 de outubro.

Um sindicato de médicos pró-democracia apontou que as forças de segurança "tomaram à força o hospital Al Jawda", recorrendo também ao gás lacrimogêneo que "provocou problemas respiratórios em médicos e pacientes".



As redes sociais estão há dias repletas de convocações para uma manifestação em 6 de abril contra o golpe que, em 25 de outubro de 2021, colocou o general Abdel al Burhan no poder.

O anúncio menciona a "tempestade" ou um "terremoto" como os de 1985 e 2019, em um país imerso em uma grave crise política e econômica.

Em 6 de abril de 1985, uma rebelião popular derrubou o presidente Yaatar al Numeiry, após anos de um governo muito duro.

Em 2019, uma manifestação em massa do lado de fora do quartel-general militar em Cartum culminou meses de protestos contra o ditador Omar al Bashir, deposto apenas cinco dias depois, após três décadas no poder.

O golpe do ano passado encerrou um frágil acordo de compartilhamento de poder civil-militar após a queda de Bashir, levando a um governo inteiramente civil e eleições livres em 2023.

- "Mês de vitórias" -

Desde então, os manifestantes pró-democracia tomaram várias vezes as ruas em protestos que deixaram 93 mortos e centenas de feridos, segundo associações médicas.



"É um dia importante (...). Esperamos que muita gente tome as ruas, apesar do calor e do Ramadã", disse Badwi Bashir, um manifestante em Cartum. "Só queremos acabar com o golpe e com a perspectiva de futuros golpes".

Yaafar Hasan, porta-voz das Forças de Liberdade e Mudança (aliança civil que reúne os representantes revogados pelo golpe de outubro), assegurou que abril é "o mês das vitórias para os sudaneses".

Desde que assumiram o poder, os líderes militares reforçaram o controle do país, prendendo líderes civis proeminentes e revogando cargos atribuídos durante a transição.

No sábado, Burhan disse que apenas "entregaria o poder a uma autoridade honesta e eleita, aceita por todo o povo sudanês".

- Necessidades econômicas -

O golpe afetou a frágil economia sudanesa com a interrupção das doações ocidentais acordadas durante o período de transição e o aumento dos preços da comida, do combustível e dos produtos básicos.

As Nações Unidas alertaram sobre as crescentes necessidades humanitárias e alimentares no Sudão. Segundo o Programa Mundial de Alimentos, o número de sudaneses com fome aguda vai dobrar, superando os 18 milhões em setembro de 2022.

A criminalidade e a violência se intensificaram em algumas áreas remotas, particularmente na inflamável região de Darfur, segundo as Nações Unidas.

Na quinta-feira, confrontos entre tribos árabes e não árabes deixaram 45 mortos no sul de Darfur, que em 2003 foi cenário de um grave conflito com atrocidades investigadas pelo Tribunal Penal Internacional.