Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA/ANATOLIY FEDORUK, Prefeito de Bucha

'O que mais me chocou foi a calma dos russos ao matarem'



Historiador por formação, Anatoliy Fedoruk, 49 anos, foi eleito pela primeira vez em 1998. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, o prefeito de Bucha disse que não existe outro termo para o que ocorreu na cidade, situada a 15km de Kiev, que não seja "genocídio". “As atrocidades em nossa cidade não foram acidentais. Esta é uma tática comum das unidades militares russas”, garantiu. Ele contou ter presenciado uma família inteira executada dentro de um carro, em um posto de controle montado pelas forças invasoras, e admitiu que se sentiu caçado pelos soldados de Vladimir Putin. Para Fedoruk, Putin tem que ser julgado por crimes de guerra. “Queremos ver um julgamento de Putin em Haia (Corte Penal Internacional) ou em qualquer outro lugar onde seja possível a atuação de um júri independente e objetivo contra criminosos de guerra", disse. “O que mais me chocou foi calma dos russos ao matarem. Não há nada de humano nisso.”

Como o senhor definiria o que aconteceu em Bucha?
Qualifico isso como um genocídio do povo ucraniano. O fuzilamento em massa de civis não pode ser descrito de outra maneira, como foi feito pelos ocupantes russos. As atrocidades em nossa cidade não foram acidentais. Esta é uma tática comum das unidades militares russas estacionadas aqui. Fizeram isso na Chechênia, na Geórgia e na Síria. Agora, vemos a mesma coisa na Ucrânia, particularmente em Bucha.





De tudo o que o senhor viu e escutou em Bucha, qual mais o chocou?
O assustador é o número de vítimas e como os cidadãos de Bucha foram assassinados – por meio da tortura e do bullying. Qualquer guerra é terrível. Mas mesmo as guerras têm regras. O ocupante russo ignorou todos os estatutos. Por não ter sucesso no campo militar, alvejou os civis. O que mais me chocou foi a calma com que as tropas russas mataram. Não há nada de humano nisso. Eu presenciei um carro passando por um posto de controle russo. Os moradores da cidade vizinha Hostomel tentavam fugir. Um soldado disparou contra um veículo. O homem desceu do carro, gritando que sua mulher e sua filha estavam ali e que a menina estava ferida. A sangue frio, o soldado caminhou em volta do carro e tirou a vida de toda a família.

De modo geral, como os civis foram assassinados pelos soldados russos?
Os dias mais difíceis foi quando entendemos a escala dos assassinatos, e os familiares começaram a entender a escala dos assassinatos e a tomarem consciência da morte de seus entes queridos. Três locais de assassinatos em massa foram encontrados em Bucha. Em um deles, os russos empilharam os corpos de pessoas executadas com as mãos amarradas como se fossem lenha. Em outro local, pedestres e ciclistas foram mortos. No acampamento infantil “Radiante”, corpos foram encontrados com as mãos amarradas e marcas de bala. Nós contamos mais de 320 cadáveres nas ruas, nas casas, em sepulturas coletivas abertas. Este não é o número final.

O senhor teve medo de ser assassinado por ser prefeito de Bucha?
É claro que eu estava com medo. Especialmente depois de testemunhar todas as atrocidades russas. Sabia que, por ser prefeito, era ainda mais visado. Mas eu não poderia simplesmente abandonar Bucha, pois esta é a minha cidade. Eu sabia que estava sendo rastreado. Fui caçado, mas, felizmente, não me reconheceram. Trabalhei em todas as oportunidades. Entrei em contato com líderes regionais e militares, e os informei sobre a situação na cidade. Graças ao fato de ter ficado em Bucha e me escondido, fui capaz de ver tudo com os meus próprios olhos.





Como o senhor vê a reação da comunidade internacional ao que ocorreu em sua cidade?
A reação da comunidade internacional não deveria ser apenas aos crimes em Bucha. Crimes terríveis foram cometidos em cada território ocupado na Ucrânia. A resposta deveria ser pelo que os russos fizeram em Mariupol, Kharkiv, Chernihiv, Mykolaiv e em outras cidades. Um tribunal tem que ser montado para levar os autores à Justiça. Queremos ver um julgamento de Putin em Haia (Corte Penal Internacional) ou em qualquer outro lugar onde seja possível a atuação de um júri independente e objetivo contra criminosos de guerra.

Como Bucha será reconstruída? E de que modo os cidadãos encontrarão força para superar o trauma?
A cidade parece um fomigueiro gigante em ruínas, e todos queremos reconstruí-la o mais rápido possível. Mas é desafiador para as pessoas que sobreviveram à ocupação e testemunharam todas aquelas atrocidades. Cada uma delas precisará de ajuda psicológica profissional.

Putin qualificou as denúncias sobre o massacre em Bucha de "atos de provocação e cinismo", enquanto outras autoridades russas sugeriram uma encenação...
Ninguém no mundo democrático acredita no que Putin diz e no que a mídia russa mostra. Eu convidei o chanceler russo, Serguei Lavrov, para que viesse a Bucha e olhasse pessoalmente o resultado das ações de seus soldados. Creio que ele virá a Bucha, mas Lavrov já é acusado de crimes de guerra e responsável por eles. O subsecretário-geral para Assuntos Humanitários e Coordenador de Assistência Emergencial da ONU, Martin Griffiths, visitou Bucha hoje (ontem). Nada escondemos, e mostramos tudo para os especialistas que documentam todos os crimes dos russos. Isso é uma preparação para o julgamento. O "Massacre em Bucha" será um volume separado das acusações contra Putin e os executores de suas ordens sangrentas. (RC)