O dispositivo japonês chamado "estágios técnicos", que contava com cerca de 275 mil trabalhadores de países como China e Vietnã no final de 2021, visa a fornecer aos participantes estrangeiros experiência em um campo que será útil para eles em casa.
Os críticos alegam, contudo, que se trata de fonte de mão de obra barata para empresas no Japão, onde a população está envelhecendo, e os migrantes são poucos.
Esse programa é centro de inúmeras polêmicas, com denúncias de discriminação e violência. Alguns dos participantes foram forçados a trabalhar na descontaminação da usina nuclear de Fukushima, devastada por um tsunami em 2011.
As mulheres enfrentam pressão adicional, porque "a ideia de engravidarem enquanto estão no Japão não é tolerada", explica Masako Tanaka, professora da Universidade Sophia, de Tóquio, especializada em direitos das mulheres migrantes.
O assédio psicológico relacionado à maternidade, que também continua sendo um problema para as mulheres japonesas, atinge mais duramente as estagiárias técnicas estrangeiras mais vulneráveis, embora sejam cobertas, em princípio, por leis que proíbem o assédio e a discriminação com base na gravidez.
- Como se atrevem? -
Vanessa, de 25 anos, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome, trabalhava em um centro de saúde em Fukuoka (sudoeste), quando descobriu que estava grávida. Estava no Japão há mais de um ano e esperava continuar seu estágio após o parto.
Das Filipinas, contou à AFP que foi induzida a fazer um aborto, apesar de a interrupção da gravidez ser um tabu e um crime em seu país profundamente católico.
"Eu disse a mim mesma: 'como eles se atrevem?'. O aborto é uma escolha da mãe", explica.
Finalmente, seus empregadores forçaram-na a se demitir, afirmando que sua situação "diminuiria o 'valor' das estagiárias filipinas", resume.
A magnitude do problema é difícil de avaliar. Segundo o Ministério da Saúde do Japão, entre 2017 e 2020, 637 estagiárias técnicas pediram demissão por motivo de gravidez, ou parto. Destas, 47 declararam que queriam continuar no programa.
De acordo com os defensores das mulheres migrantes, esta é a "ponta do iceberg".
Em 2019, a agência de imigração do Japão chamou os empregadores à ordem. "É possível que as estagiárias técnicas, como seres humanos, engravidem e deem à luz, e não devem ser tratadas em desvantagem", ressaltou um funcionário da agência à AFP.
Hiroki Ishiguro, advogado que representa estagiárias, disse à AFP, porém, que, "para alguns empregadores, é mais fácil mandá-las para casa e substituí-las por novas estagiárias do que incorrer em despesas adicionais" relacionadas à gravidez.
- 'Sinto muito' -
A pressão financeira e a dívida relacionada aos custos de recrutamento também pesam sobre as estagiárias, como Thi Thuy Linh, uma trabalhadora agrícola vietnamita em Kumamoto, sudoeste do Japão, que descobriu que estava grávida em julho de 2020.
Ela temia que sua família no Vietnã fosse "destruída financeiramente", se fosse deportada, explica Ishiguro.
Ela escondeu a gravidez de seu empregador e quis abortar, mas as interrupções médicas da gravidez geralmente custam mais de 100.000 ienes (US$ 806). Além disso, algumas estagiárias temem que as clínicas falem com seus empregadores.
As mulheres obtêm pílulas abortivas clandestinamente, um "ato muito arriscado que pode levá-las ao tribunal", enfatiza Tanaka.
Pouco depois de descobrir que estava grávida, a estagiária vietnamita tomou pílulas abortivas, enquanto seu empregador, suspeitando a gravidez, alertou-a sobre futuras "dificuldades", segundo Ishiguro.
Em novembro, ela deu à luz prematuramente, sozinha e em casa, a gêmeos natimortos. Exausta, embrulhou-os em uma toalha e colocou os bebês em uma caixa de papelão em seu quarto, escrevendo a frase: "Sinto muito por vocês dois".
No dia seguinte, pediu ajuda a um médico, que informou as autoridades. Em janeiro, ela foi condenada a três meses de prisão por "abandonar" os corpos dos bebês. Recorreu da decisão da Justiça.
A história de Vanessa terminou de forma diferente. Ela deu à luz seu filho nas Filipinas, mas ainda espera retornar para o Japão.
"Quero provar que é possível uma estagiária grávida dar à luz em seu país e voltar ao Japão para terminar seu contrato", afirma.
TÓQUIO