Os deputados da Flórida votaram para retirar da Disney seu "status especial" de autogoverno em meio a um conflito político entre a empresa e o governador do estado americano, Ron DeSantis, do Partido Republicano.
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A medida é considerada uma retaliação à oposição da Disney à chamada lei "Don't Say Gay" ("Não Diga Gay", em tradução livre).
Sancionada por DeSantis, a lei proíbe professores de escolas primárias de discutir orientação sexual ou identidade de gênero. A legislação é considerada homofóbica por ativistas LGBTQIA+.
Nesta quinta-feira (21/4), a pedido do governador republicano, a Câmara da Flórida aprovou um projeto de lei que retira da empresa seu poder quase total sobre o distrito especial onde seu parque temático está localizado. A legislação já havia passado no Senado.
Conhecido como Reedy Creek Improvement District (RCID), o distrito com benefícios tributários foi criado em um acordo de 1967, entre o Estado e a Walt Disney Company.
DeSantis já havia deixado claro que sancionará a medida aprovada nesta quinta, transformando-a em lei. Com o resultado da votação, o distrito diferenciado da Disney será dissolvido em 1º de junho de 2023.
A empresa não comentou a decisão parlamentar.
O status especial da Disney permitiu que a companhia operasse como seu próprio governo municipal, com um conselho próprio de supervisores e corpo de bombeiros, e significava que a Disney poderia até construir seu próprio aeroporto ou usina nuclear, se assim desejasse.
O benefício deu à gigante do entretenimento liberdade de quase toda intervenção burocrática por meio século e acredita-se que tenha economizado dezenas de milhões de dólares em impostos e taxas.
A vantagem fiscal é parte do motivo pelo qual a Disney escolheu construir seus parques temáticos na Flórida, onde se tornou o maior empregador privado do Estado, com cerca de 80 mil funcionários.
Mas o status especial da Disney no Estado foi ameaçado por sua resposta a um projeto de lei de educação de gênero e sexualidade assinado por DeSantis no mês passado.
O que é a lei "Não Diga Gay"
Formalmente chamada de Lei dos Direitos dos Pais na Educação, a medida foi apelidada de lei "Don't Say Gay" pelos críticos.
A legislação proíbe qualquer instrução sobre orientação sexual ou identidade de gênero entre o jardim de infância e a terceira série — quando os alunos têm aproximadamente entre cinco e nove anos de idade.
Ele também pede aos distritos escolares que evitem tópicos LGBT "quando não forem apropriados para a idade ou para o desenvolvimento dos alunos".
A legislação se estende aos serviços de apoio ao aluno, incluindo aconselhamento, e concede aos pais o poder de processar as escolas diretamente se acreditarem que um educador infringiu a lei.
Os opositores dizem que a medida isolará e estigmatizará a juventude LGBT, enquanto os defensores dizem que ela protege as crianças de conteúdo impróprio para a idade.
A Disney originalmente permaneceu calada sobre o projeto, mas mudou de rumo depois que foi pressionada por funcionários para se opor à política.
Depois que a medida se tornou lei, a Disney prometeu pressionar por sua revogação e combater leis semelhantes nos EUA.
Em resposta, DeSantis disse que a empresa, que fez da Flórida sua casa, "passou dos limites".
Por que o RCID foi criado?
Em meados da década de 1960, seguindo a popularidade da Disneylândia na Califórnia, o criador desse império do entretenimento, Walt Disney, começou a planejar um segundo parque temático, mas desta vez na costa leste do país.
Na época, o centro da Flórida, onde estão localizados os condados de Orange e Osceola, estava em pleno desenvolvimento, com novas estradas e uma importante via expressa sendo construída perto de um aeroporto.
A Disney viu uma grande oportunidade de implantar seu projeto na área e comprou milhares de hectares que, segundo o próprio site do RCID, na época representavam um conjunto de terras não cultiváveis e pantanosas, sem infraestrutura básica de serviços.
Em 1967, o legislativo estadual criou o RCID, permitindo que a gigante do entretenimento construísse seu enorme complexo fora do marco regulatório dos municípios vizinhos, mas com a condição de assumir a responsabilidade por seu desenvolvimento sem investimento do governo.
Como funciona o RCID?
O distrito especial é composto pelos parques temáticos e pelas cidades de Lake Buena Vista e Bay Lake. Dentro de seus limites existem 19 "proprietários de terras", incluindo a Disney e suas subsidiárias.
A empresa tem que lidar com questões tão diversas como geração e distribuição de energia, regulamentando códigos de construção, bem como polícia, emergência médica e combate a incêndios.
O RCID financia suas operações por meio de impostos, taxas de proprietários e inquilinos, receitas de serviços públicos e emissões de títulos.
Um conselho de supervisores de cinco membros eleitos pelos proprietários governa a área.
Além disso, o distrito tem acordos intergovernamentais para lidar com a vigilância e o sistema judicial.
Por que DeSantis quis acabar com ele?
A lei "Don't Say Gay" foi proposta pela maioria republicana na legislatura estadual e assinada por DeSantis em 28 de março.
A Disney, pressionada por seus funcionários, que fizeram protestos enquanto o projeto estava sendo discutido e enviou cartas a seus diretores, anunciou que retirará doações políticas ao Partido Republicano na Flórida. Também afirmou que seu objetivo como empresa é que a legislação seja derrubada ou derrotada na Justiça.
"Nossos funcionários veem o poder desta grande empresa como uma oportunidade de fazer o bem. Eu concordo", disse o CEO da Disney, Bob Chapek, ao site de notícias americano Politico.
Chapek também se desculpou porque a empresa inicialmente evitou se manifestar sobre o projeto.
De acordo com o site Politico, as doações da Disney para os republicanos no ciclo eleitoral de 2020 totalizaram US$ 913 milhões (R$4,2 bilhões), enquanto a contribuição direta para DeSantis foi de US$ 50 mil.
O que acontece quando o RCID acabar?
Jenniffer Bradley, senadora estadual do Partido Republicano e defensora do projeto de lei, disse a jornalistas na terça-feira que os distritos fiscais especiais terão que ceder seus poderes aos condados onde seus territórios estão localizados.
Segundo a imprensa americana, os governos locais passarão a arcar com os custos de infraestrutura, que no caso da Disney representam bilhões de dólares.
Além disso, deve haver um desafio administrativo e regulatório por conta de a Disney ser uma área turística que recebe milhões de visitantes anualmente.
O impacto que isso terá para a empresa, que emprega dezenas de milhares de pessoas, não está claro.
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