O plano contempla também a desmilitarização do vale cocaleiro do país e a transferência destas tropas à região de Madre de Dios, onde milhares de garimpeiros ilegais desmatam a floresta amazônica, e ao rio Putumayo, na fronteira com a Colômbia, onde operam grupos de traficantes de drogas do país vizinho.
A iniciativa foi delineada na quarta-feira pelo chefe de gabinete, Aníbal Torres, em uma sessão extraordinária do Conselho de Gabinete efetuada em Samugari, no Vale dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro, conhecido pelo acrônimo VRAEM.
Neste vale militarizado em 2006 operam remanescentes da guerrilha maoísta do Sendero Luminoso em aliança com grupos de narcotraficantes, segundo a polícia.
"É indispensável, ao menos durante um ano, comprar a folha de coca dos atuais produtores assentados e daqueles que definir o novo registro a construir", disse Torres.
Ele acrescentou que o governo promove um "pacto social cidadão" com os cocaleiros para garantir uma política adequada antidrogas até 2030.
- "Mensagem perigosa" -
No entanto, a tarefa não parece fácil, pois requer grandes recursos, e de imediato surgiram vozes críticas ao anúncio de Torres, entre elas de ex-ministros do Interior.
"A mensagem que o governo está dando é que está legalizando a folha de coca e que vai comprar a folha de coca ilegal. A mensagem é 'semeie coca', e é muito perigoso porque estamos falando de uma matéria-prima usada pelo narcotráfico", disse à AFP o ex-ministro do Interior Rubén Vargas.
Ao promover o cultivo de folha de coca "obviamente o camponês terá dois mercados: o estatal, que o governo está promovendo, e o narcotráfico. Os danos que serão provocados são incomensuráveis, não apenas ambientais, mas à governabilidade do país", acrescentou o ex-ministro do governo interino de Francisco Sagasti (2020-2021).
"Criar um novo registro de produtores faz parte de uma típica manobra do narcotráfico para se legalizar", disse à AFP Fernando Rospigliosi, ex-ministro do Interior do presidente Alejandro Toledo (2001-2006).
O registro de cocaleiros existe desde 1978 e consiste de uma relação dos camponeses com suas respectivas parcelas dedicadas ao cultivo legal da folha de coca.
Há mais de quatro décadas eles vendem sua produção à empresa estatal da coca (Enaco), única entidade autorizada a adquirir o cultivo.
A adoção do registro, em 1978, faz parte da estratégia que o Peru aplica e inclui a erradicação forçada dos cultivos ilegais de coca.
"Se você abrir o registro, entrarão todos os que produzem folhas para o narcotráfico porque ao se mudar a lei há mais base para legalizar os cultivos", adverte Rospigliosi.
Segundo o ex-ministro, aproximadamente 95% do total da produção cocaleira peruana destina-se ao narcotráfico. O restante é usado em produtos como chás, caramelos, farinha e energizante através da mastigação da folha.
Mastigar folhas de coca é uma tradição ancestral andina para combater o cansaço, tanto no Peru quanto na Bolívia.
No Peru há cerca de 400.000 produtores de coca ilegais, além de 95.000 incluídos no registro de produtores, que vendem suas colheitas à Enaco, segundo dados oficiais.
Estima-se que haja no país cerca de 62.000 hectares de cultivos da folha e a produção nacional beiraria as 160.000 toneladas, das quais a Enaco compra atualmente apenas 2.500. A empresa paga 100 soles (26 dólares) pela arroba (de 11,24 quilos), segundo veículos de imprensa locais.
De acordo com a ONU, Peru, Colômbia e Bolívia são os maiores produtores mundiais de folha de coca e cocaína.
Calcula-se que a produção peruana seja de cerca de 400 toneladas anuais de cocaína. Em 2021, mais de 84 toneladas de drogas foram apreendidas e incineradas, segundo a polícia.
- Apreensões -
Em 18 de abril, as autoridades começaram a incinerar mais de 16,3 toneladas de drogas ilegais apreendidas nos últimos quatro meses.
A queima, que se estenderá até o domingo, inclui 6,2 toneladas de pasta básica de cocaína, 4,6 toneladas de cocaína e 5,4 toneladas de maconha, assim como menores quantidades de papoula e ópio.
"A droga e o narcotráfico destroem e arrebatam nossa liberdade. Não se deve ceder nenhum espaço ao narcotráfico e a qualquer atividade ilícita", disse Castillo, que assistiu à primeira queima.