Trata-se de uma pesquisa genética publicada na quinta-feira (28) na revista Science em que foram analisadas cerca de 200.000 respostas a questionários feitos aos donos de mais de 2.000 cães, que mostra que assumir que raça e comportamento estão ligados não tem fundamento.
Com certeza, muitos traços comportamentais podem ser hereditários, mas o conceito moderno de raça oferece um valor preditivo parcial para a maioria dos comportamentos, e quase nenhum para quão afetuoso um cão pode ser.
"Embora a genética desempenhe um papel na personalidade de qualquer cão, sua raça específica não é um bom indicador de tais características", segundo Elinor Karlsson, autora do estudo realizado pela universidade Umass Chan, o instituto Broad e a Universidade de Harvard.
"O que descobrimos é que os critérios que definem um golden retriever são suas características físicas - o formato de suas orelhas, a cor e qualidade de sua pelagem, seu tamanho - e não se é amigável", acrescentou a cientista.
A pesquisadora Kathleen Morrill explicou que entender as relações entre raça e comportamento pode ser o primeiro passo para entender os genes responsáveis por condições psiquiátricas em humanos, como transtornos obsessivo-compulsivos.
"Não podemos, porém, perguntar aos cães sobre seus problemas, pensamentos ou ansiedades. Sabemos que os cães têm uma vida emocional rica e experimentam distúrbios que se manifestam em seu comportamento", disse à imprensa.
- Implicações legais -
A equipe de pesquisa sequenciou o DNA de 2.155 animais de raça pura e mistas para encontrar variantes genéticas comuns que pudessem prever seu comportamento e combinou essas informações com as respostas das entrevistas com 18.385 donos de animais da Arca de Darwin, uma iniciativa de dados abertos onde os donos descrevem as características e comportamentos de seus animais de estimação.
Os pesquisadores estabeleceram definições padrão para relatar características como obediência, sociabilidade com humanos e padrões motores relacionados a brinquedos.
Características físicas e estéticas também fizeram parte do estudo.
Ao todo, Karlsson e Morrill encontraram 11 pontos no genoma dos cães associados a diferenças comportamentais, incluindo obediência, devolução de objetos, apontar algo procurado e latidos.
Entre esses comportamentos, a raça desempenhou um certo papel - por exemplo, os beagles e sabujos tendem a uivar mais, os border collies são mais flexíveis, enquanto os shiba inus são muito menos.
Mas sempre há exceções à regra. Por exemplo, embora os labradores tenham uma tendência menor de uivar, 8% o faziam. Ou enquanto 90% dos galgos não enterravam brinquedos, 3% o faziam com frequência.
"Quando analisamos o fator que chamamos de limiar agonístico, que incluía muitas perguntas sobre se os cães reagiam agressivamente a determinadas coisas, não vimos um verdadeiro efeito da raça", disse Karlsson.
No geral, a raça explicou apenas 9% das variantes comportamentais, sendo a idade um melhor indicador de algumas características, como o uso de brinquedos. No entanto, as características físicas tiveram cinco vezes mais probabilidades a serem previstas pela raça do que pelo comportamento.
A ideia vai contra suposições generalizadas que influenciaram marcos legais. Por exemplo, o Reino Unido proibiu os pit bull terriers, assim como muitas cidades nos Estados Unidos.
- Desordens humanas -
Antes do século XIX, os cães eram selecionados por suas funções, como caça, guarda e pastoreio, diz a equipe de pesquisa em seu estudo.
"Em vez disso, as raças modernas de cães enfatizam a confirmação dos ideais físicos e a pureza da linhagem, é uma invenção vitoriana", aponta o documento.
As raças modernas carregam variações genéticas de seus antecessores, mas não nas mesmas frequências, explicando a diferença de comportamento entre as raças.
Os próximos passos, diz Morill, seriam aprofundar o estudo dos comportamentos compulsivos em cães e suas conexões com transtornos obsessivo-compulsivos em humanos.
Uma descoberta intrigante é que a sociabilidade dos cães em relação aos humanos foi "incrivelmente herdada nos cães", mesmo sem depender de sua raça.
Os pesquisadores encontraram um ponto no DNA canino que poderia explicar 4% das diferenças de sociabilidade entre diferentes indivíduos, e esse ponto corresponde a uma área do genoma humano responsável pela formação da memória de longo prazo.
"Pode ser que entender a sociabilidade dos cães com os humanos nos ajude a entender como o cérebro se desenvolve e aprende. Então, estamos apenas arranhando a superfície", apontou Morill.