No Dia das Mães, o gaúcho André Luis Hack Bahi, 43, aproveitou um tempo de folga e foi ao grupo de WhatsApp da família dizer que já havia realizado dois dos seus maiores sonhos.
Como odiava o frio, um deles era morar em um lugar quente. Realizou o desejo ao morar no Ceará. O segundo era atuar em uma guerra.
Concretizou o sonho atuando como voluntário na guerra da Ucrânia. Em seguida, em uma sequência de três mensagens, ele lembrou uma redação dos tempos de escola.
"Quando criança não lembro bem a idade mas uma redação de escola a professora da (sic) o título 'QUAL SEU SONHO'"
"Eu disse morrer na guerra. Então com a situação que me encontro não sei dizer."
"Mas não tenho medo", disse André.
Menos de um mês depois, a família de André agora está em busca de informações sobre ele depois que brasileiros que estão no campo de batalha na Ucrânia relataram que ele teria sido morto em combate por forças russas. Segundo sua irmã, Letícia Hack, a última vez que o irmão fez contato com a família foi na quarta-feira (02/06).
"Foi no grupo da família. A gente comentou alguma coisa e ele enviou um sinal de 'ok' pelo WhatsApp. Desde então, não tivemos mais nenhum contato dele", disse.
Os rumores sobre sua morte surgiram nas redes sociais no domingo. (05/06). Outro brasileiro que atuou na Ucrânia, André Kivairtis, repostou uma mensagem lamentando a suposta morte do amigo.
À BBC News Brasil, o brasileiro Alex Silva, que também atua no combate na Ucrânia, disse ter recebido relatos sobre a morte do compatriota.
"Nós tivemos a informação de que ele morreu. Isso teria ocorrido na região leste do país, onde os conflitos estão mais concentrados", disse.
No Rio Grande do Sul, a família do brasileiro está apreensiva com a falta de informações e com a possibilidade de que os rumores sobre sua morte venham a ser confirmados.
"Até agora, a gente só tem esses relatos, mas nenhuma confirmação. Meus pais estão aflitos. Eles já são idosos", conta Letícia.
Procurado, o Itamaraty disse à BBC News Brasil que ainda não tem informações que confirmem a morte de André e que acompanha o caso. O órgão disse ainda que, desde o início do conflito, aconselha brasileiros a não ingressarem na Ucrânia. Veja trecho da nota enviada pelo Itamaraty: "O Ministério das Relações Exteriores não possui, no presente momento, confirmação sobre eventual falecimento de cidadão brasileiro em território ucraniano em decorrência do conflito naquele país. A Embaixada do Brasil em Kiev segue buscando mais informações sobre o caso e permanecerá à disposição para prestar a assistência cabível, em conformidade com os tratados internacionais vigentes e com a legislação local. Assim como tem feito desde o começo do conflito, o Itamaraty continua a desaconselhar enfaticamente deslocamentos de brasileiros à Ucrânia, enquanto não houver condições de segurança suficientes no país".
Caçula apaixonado por brinquedos de guerra
André nasceu em Porto Alegre. Foi o caçula e o único homem entre três irmãs.
Letícia Hack lembra que, desde pequeno, André mostrava interesse pela temática bélica.
"Ele era apaixonado por assuntos de guerra. Quando era pequeno, ele adorava uns bonecos pequenos de soldado. Essa paixão continuou conforme ele cresceu", explicou a irmã.
Letícia conta que André chegou a servir no Exército quando jovem. Depois de cumprir seu período no quartel, ele se formou como enfermeiro, mas logo encontrou uma forma de continuar no meio militar.
O apego de André pelo tema era visível em suas redes sociais. Em seu perfil no Instagram, há diversas fotos dele utilizando fardas e empunhando armas.
Segundo Letícia, André se alistou na Legião Estrangeira, um grupo militar sediado na França que envia combatentes para diferentes partes do mundo. Ainda de acordo com a irmã, André teria participado de combates na Costa do Marfim, onde foi ferido, em 2017.
"A gente tentou convencer ele a desistir dessa ideia de guerra, mas ele sempre foi apaixonado por isso. Era o que ele queria fazer da vida", diz Letícia.
A Legião com sede na França não está envolvida no conflito da Ucrânia, mas grupos de combatentes voluntários estrangeiros têm se deslocado para o país desde o início da guerra, em fevereiro.
A irmã conta que a família acompanhava com tensão a passagem de André pelo conflito na Ucrânia. Segundo ela, o irmão mantinha contato por aplicativos de mensagens e enviava vídeos e fotos das atrocidades que encontrava na área de combate.
"Ele ficava muito indignado. Dizia que era um absurdo o que estava acontecendo. Ele sempre mandava vídeos e fotos pra gente. O que ele mandou sobre Bucha foi horrível", disse Letícia em referência à cidade ucraniana onde, segundo o governo do país, forças russas teriam massacrado militares e civis. Os russos negam as acusações.
Letícia e o restante da família ainda tratam André como "desaparecido".
"Nós não temos nenhuma confirmação de que ele morreu. Ainda não tem imagem do corpo, nada disso. Então, ainda temos esperança de que isso tudo pode ser um engano e ele esteja vivo", disse.
Em meio à escassez de informações confiáveis, a família de André no Brasil ainda não sabe o que acontecerá com ele caso sua morte seja confirmada.
"A gente não sabe se vão devolver o corpo. Se o pior aconteceu e ele, infelizmente, não está mais entre nós, gostaríamos que ele fosse enterrado perto dos nossos pais, aqui no Brasil", disse Letícia.
'Cuida da nossa bebezinha'
Riana Maria Andrade Moreira, 30, era a companheira de André antes de ele ingressar no combate na Ucrânia. Os dois se conheceram em 2019, em Quixadá, cidade do interior cearense.
Ela atuava como bombeira civil e ele era instrutor de um curso de técnicas de sobrevivência. Depois do curso, André conseguiu o telefone de Riana e os dois começaram a se relacionar.
"O que me chamou atenção nele foi o sorriso. Era incrível a energia que ele passava pra quem estava ao redor", disse Riana.
O casal tem uma filha, de três anos de idade. Em meio a dificuldades financeiras, Riana conta que André foi para Portugal em fevereiro deste ano. Pouco antes, ele vinha garantido o sustento da família atuando como motorista de aplicativos. Pouco depois de chegar a Portugal, ela diz, André avisou que iria à Ucrânia.
"Ele me disse que queria proteger as pessoas de lá. Que a guerra não era justa. Eu tentei falar pra ele não ir, mas esse desejo era muito forte nele. Aí, o certo era apoiar e foi o que eu fiz", diz.
Riana conta que falava com André praticamente todos os dias, quando ele não estava em missão.
A última vez em que os dois se falaram, porém, foi na quarta-feira (02/06). Naquele dia, ele informou que estava se dirigindo com a tropa em direção à região de Luhansk, no leste do país, uma das áreas onde se concentram os confrontos entre russos e as forças ucranianas e estrangeiras que lutam contra a invasão.
Naquele dia, o casal trocou mensagens de texto e fez uma chamada de vídeo via WhatsApp.
"Cuida da nossa bebezinha", disse André a Riana.
"Nós vamos cuidar. Lembre disso. Nos (sic). Não eu. Nos (sic)", respondeu Riana.
"Enquanto eu não estiver", completou André.
"Vai ficar tudo bem", disse Riana.
Emocionada, ela conta que, durante a conversa, André pediu que os dois realizassem uma chamada de vídeo para que eles pudessem fazer uma captura de tela.
"Ele disse: 'Vamos tirar uma foto juntos. Do jeito que as coisas estão, pode ser nossa última foto'", conta Riana.
Assim como Letícia, a companheira de André também diz torcer para que os rumores sobre a morte de André não se confirmem. Ela ainda não comentou sobre o desaparecimento dele para a filha.
"Ela é muito pequena. Dia desses, pediu pra ver o pai e eu mostrei um vídeo ele. Ela ficou toda animada. Estou querendo que tudo isso não passe de um engano e a gente receba notícia de que ele está vivo", contou.
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