A preocupação é visível em seus olhos através de seus óculos de aros largos enquanto, vestida com um 'collant' vermelho, estica a perna na barra em frente ao grande espelho da sala de dança.
Assim como ela, 410 alunos entre 6 e 29 anos têm aulas gratuitas de dança em Manguinhos, enquanto outros 700, a grande maioria meninas, estão na lista de espera.
Nessa favela com forte tráfico de drogas, e onde as aulas são regularmente interrompidas por tiroteios durante as operações policiais, a associação Ballet Manguinhos é uma espécie de oásis.
"Aqui em Manguinhos, é muito comum ver adolescentes grávidas ou já com vários filhos. Entre nossas alunas, a taxa de gravidez adolescente é de apenas 1%", disse à AFP Carine Lopes, de 32 anos, presidente da associação cuja escola de dança funciona há uma década.
Mas sua continuidade está ameaçada. A pandemia deixou sua marca, com a trágica morte por covid-19 da fundadora da associação, Daiana Ferreira, em janeiro de 2021.
Meses depois, sofreu outro golpe: o contrato de financiamento de três anos com a fundação filantrópica americana The Secular Society (TSS) terminou, conforme previsto em contrato, e o Ballet Manguinhos perdeu uma importante fonte de renda.
- "Adotar" bailarinos -
"Com a crise mundial que vivemos, é cada vez mais difícil obter apoio para uma instituição como a nossa", lamenta Lopes.
Os recursos da TSS permitiram que a associação se tornasse proprietária de um prédio de 600m2 de quatro andares na entrada da favela, onde fica a escola. No entanto, os custos de manutenção são muito altos, com contas de luz e impostos locais, somados aos custos de pessoal.
"Tínhamos um patrocinador, que a partir de 2018 passou a dar 45.000 reais por mês, e agora temos que arcar com todos os custos com cerca de 10.000 reais", explica a presidente da associação de 15 funcionários, incluindo docentes.
Se continuar assim, "talvez as atividades continuem apenas até o final do ano", alerta.
Diante das dificuldades para encontrar patrocinadores e apoio público, o Ballet Manguinhos lançou no início do ano uma campanha de patrocínio intitulada "Adote uma Bailarina".
Com esse programa, cada patrocinador paga ao menos 90 reais (cerca de US$ 17) ao mês, o custo estimado para os estudantes considerando o pagamento aos professores e compras necessárias, como as sapatilhas de balé que precisam ser trocadas regularmente.
- Mais que uma dança -
"O balé me ajudou muito, porque tive depressão por dois anos, tentei suicídio, mas a dança me ajudou a me empoderar, a ter meu lugar de fala, a me entender como pessoa", conta Gomes de Carvalho.
O Ballet Manguinhos também ajudou Ana Júlia Martins, de 15 anos, a superar um momento difícil.
"Durante a pandemia, minha filha perdeu o bisavô e também foi muito afetada pelo falecimento de Daiana (Ferreira). O balé a salvou, a mantém focada para não ir por outros caminhos", afirma sua mãe, Rosilene Sousa da Silva.
"A autoestima dela melhorou muito porque antes ela pensava que não chegaria a lugar algum por ser negra. As notas também melhoraram na escola", comenta a mulher.
Ana Júlia, que dança desde os seis anos e sonha em ser bailarina profissional, afirma sorridente que no Ballet Manguinhos consegue se "distrair de outras coisas".
O objetivo da associação vai além da dança: "Nossa missão é que nossos alunos saiam daqui cidadãos. É gratificante ver uma menina dizer que vai embora porque está numa faculdade de bioquímica, de medicina, ou que passou numa audição para uma companhia de balé lá fora", se orgulha Lopes.
RIO DE JANEIRO