"Temos que nos sentir orgulhosos de que no momento da crise mais profunda (...) que nosso país viveu em décadas, nós chilenos e chilenas optamos por mais democracia e não menos", disse Boric no Congresso em Santiago, após receber o texto redigido pelos 154 membros da Convenção Constituinte, que foi dissolvida após a cerimônia.
O presidente assinou imediatamente um decreto que convoca um plebiscito com voto obrigatório em 4 de setembro e que consultará mais de 15 milhões de eleitores com a opção de "Aprova" ou "Rejeita" a nova Carta Magna.
"Será novamente o povo que terá a última palavras sobre o seu destino. Começamos uma nova etapa", acrescentou o chefe de Estado.
"Convido vocês a um intenso debate sobre os alcances do texto, mas não sobre falsidades, distorções ou interpretações catastróficas alheias à realidade", declarou Boric, aludindo a uma intensa e agressiva campanha de desinformação nas redes sociais.
O dia começou com uma cerimônia mapuche no morro de Santa Lucía, no centro de Santiago, que depois foi acompanhada com tambores e trajes típicos por algumas das 17 constituintes de povos indígenas que participaram da elaboração do texto.
Defensores da mudança constitucional hastearam bandeiras chilenas e mapuches, ao som de "Derecho de Vivir" de Victor Jara -assassinado após o golpe militar de 1973-, alternado com "Bella Ciao", hino da resistência italiana durante Benito Mussolini (1922-1945).
- Solução para protestos -
"É um trabalho longo, é preciso ter paciência e esperar. As novas gerações vão receber os frutos de agora", comentou à AFP Diana Díaz, aposentada de 75 anos com a bandeira chilena na mão.
"Independente do resultado do plebiscito, o Chile já mudou", disse o vice-presidente da Convenção Constituinte, Gaspar Domínguez.
A redação do texto constitucional foi a solução política que o Chile encontrou para aplacar os violentos protestos que eclodiram em 18 de outubro de 2019, exigindo maior justiça social em um país muito desigual.
Em um acordo entre o então governo conservador de Sebastián Piñera e a maioria dos partidos políticos - com exceção do Partido Comunista - foi convocado um primeiro referendo que ocorreu em outubro de 2020 para decidir sobre a relevância de se elaborar ou não uma nova Constituição.
Então, em maio de 2021, foram eleitos os membros da Convenção Constituinte, instalada em 4 de julho.
A composição política inédita da Convenção - com uma minoria de direita - deu aos independentes um papel fundamental, com um total de 104 representantes, em sua maioria ligados à esquerda.
Mas os dois terços necessários para aprovar as normas acabaram impondo moderação e construindo um texto que, se aprovado, colocará o Chile na vanguarda em várias questões, como o direito ao aborto.
A Convenção também inovou ao ser paritária. Setenta e sete homens e igual número de mulheres redigiram o texto, que também incluiu pela primeira vez 17 assentos indígenas, para quitar uma antiga dívida com os povos originários, especialmente os mapuches.
Muitos dos constituintes de direita - que eram minoria - qualificaram, porém, o processo constitucional como um "fracasso" e uma "oportunidade perdida", razões pelas quais farão campanha pela rejeição à reforma da Constituição de 1980, escrita por um punhado de homens a portas fechadas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Depois de mais de 40 anos de um modelo econômico hiperliberal, em 2019 houve apoio transversal à busca de um modelo que garantisse um Estado de bem-estar com direito à educação, saúde e pensões mais dignas, algo que a proposta inclui.
Mas também estabelece normas para povos indígenas, minorias e questões ambientais.
O reconhecimento no texto da existência de vários povos dentro da nação chilena, o que confere certa autonomia às instituições indígenas, particularmente em matéria de justiça, expôs uma fratura histórica.