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Estado de Minas UM BRINDE À CIÊNCIA

Pesquisador 'ressuscita' levedura e recria cerveja de 400 anos atrás

Bioengenheiro equatoriano acredita que a bebida seja a cerveja mais antiga da América Latina. Resgate ocorreu com amostra encontrada em convento do século 16


04/08/2022 14:09 - atualizado 04/08/2022 16:48

Cientista equatoriano Javier Carvajal fala durante uma entrevista à AFP em um laboratório da Faculdade de Ciências Exatas da Pontifícia Universidade Católica do Equador em Quito, em 25 de julho de 2022
microrganismo foi a chave para recuperar a fórmula da bebida feita em Quito em 1566 (foto: Rodrigo Buendia/AFP)

Dentro de um barril de carvalho estava o fungo da fortuna. O bioengenheiro equatoriano Javier Carvajal ressuscitou uma levedura com cerca de 400 anos e recriou o que se acredita ser a cerveja mais antiga da América Latina. Nesta sexta-feira (5/8) é celebrado o Dia Internacional da Cerveja.

O microrganismo foi a chave para recuperar a fórmula da bebida feita em Quito em 1566 pelo frei Jodoco Ricke, o franciscano de origem flamenga que introduziu trigo e cevada na atual capital equatoriana, segundo historiadores. Com a descoberta, "recuperamos não apenas um tesouro biológico, mas também um trabalho silencioso de 400 anos de domesticação de uma levedura que provavelmente veio de uma chicha (antiga bebida fermentada de milho) e que foi coletada no meio ambiente", disse Carvajal à AFP.


Em seu laboratório na Universidade Católica do Equador (PUCE), vestindo jeans e avental branco, ele se aproxima de um freezer e tira um pequeno frasco com uma variedade de levedura Saccharomyces cerevisiae com a nomenclatura CLQCA10-328. Carvajal sabia, por meio de publicações especializadas, da antiga cervejaria de Quito. Ele havia recuperado outras leveduras e insistiu em encontrar a da bebida dos franciscanos. Demorou um ano para chegar até ela em 2008.

No convento de São Francisco, um imponente complexo de três hectares construído entre 1537 e 1680, estava o barril que procurava. Extraiu dali uma lasca e ao microscópio viu o organismo que acabou, após um longo período de cultivo, permitindo-lhe "ressuscitar" a levedura. "Aqui ocupa uma caixinha. Ele é muito humilde, mas é a estrela" do laboratório, comentou o cervejeiro de 54 anos.

Terapia intensiva

Pertencente a uma família de mestres cervejeiros, Carvajal encontrou em um artigo a fórmula vagamente descrita da bebida dos franciscanos do século 16. Aos poucos foi preenchendo as lacunas de informação até reviver a bebida com sabores de canela, cravo e cana-de-açúcar.

O cientista equatoriano Javier Carvajal fala durante uma entrevista à AFP em um laboratório da Faculdade de Ciências Exatas da Pontifícia Universidade Católica do Equador em Quito, em 25 de julho de 2022
O bioengenheiro equatoriano Javier Carvajal ressuscitou uma levedura com cerca de 400 anos (foto: Rodrigo Buendia/AFP)


"Havia muitas lacunas nessa receita e meu trabalho era preencher essas lacunas (...) Esse é um trabalho de arqueologia cervejeira, dentro da arqueologia microbiana", que ele havia feito para resgatar a levedura, responsável por grande parte da sabor da bebida, comenta. Após uma década de pesquisas e testes, em 2018 iniciou sua produção artesanal, mas a pandemia frustrou seu lançamento no mercado.

Ainda não definiu uma data exata para seu lançamento ou um preço.

Em 2019, um ano depois que Carvajal reconstruiu a bebida franciscana, pesquisadores israelenses prepararam uma cerveja semelhante à bebida fabricada pelos faraós depois de extrair fermento de mais de 3.000 anos encontrado em vasos antigos.

O domador de leveduras

Carvajal, que destaca o "trabalho de domesticação" da levedura que os franciscanos fizeram e compara o que fez séculos depois com uma terapia intensiva, mas em escala molecular. "É como se estivessem adormecidas, como sementes secas, mas se deteriorando com o passar dos anos. Por isso é preciso reconstruí-las, fluidificá-las, hidratá-las e ver se os sinais vitais voltam", disse.

O historiador Javier Gomezjurado explicou que a de São Francisco "foi a primeira cervejaria, pelo menos na América hispânica". Em 1566, quando começou a funcionar, havia apenas "oito frades" no convento e a produção era "mínima", disse o autor do livro "Las bebidas de antaño en Quito".

Com o passar do tempo e a introdução das máquinas, as fórmulas originais desapareceram gradualmente. A cervejaria fechou suas portas por volta de 1970, mas as bebidas modernas já eram consumidas naquela época.

Carvajal dedicou uma década a recuperar o segredo cervejeiro apenas, disse ele, pelo prazer do "valor do intangível".


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