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Estado de Minas MORTE DA RAINHA

O reinado de 70 anos de Elizabeth II: sem império, mas com a coroa

A rainha da Inglaterra foi a segunda mais longeva monarca da história da humanidade, atrás apenas de Luís XIV (1638-1715), que reinou por 72 anos


12/09/2022 04:00 - atualizado 11/09/2022 22:16

Rainha Elizabeth cumprimentando os súditos
Elizabeth II precisou driblar toda sorte de problemas e dramas familiares públicos durante seu longo reinado (foto: Jack Hill/AFP - 11/10/19)


Detalhado à batida de minutos e sob a supervisão da principal interessada, o script protocolar estava desenhado já há alguns anos, segundo noticiou em 2017 o inglês “The Guardian” e, em 2021, o jornal norte-americano “Politico”, definindo como seria o luto britânico ao longo dos próximos 10 dias, assim como a sucessão da rainha Elizabeth II.

Foram 70 anos como chefe de estado do Reino Unido e de outros 14 reinos do Commonwealth – ex-colônias entre as quais Canadá, austrália e Nova Zelândia –, o que fez dela a segunda mais longeva monarca da história da humanidade, atrás apenas de Luís XIV (1638-1715), que, tendo assumido o trono francês aos quatro anos, comandou aquela monarquia absoluta por 72 anos.

Ao longo do reinado, aprovou 16 primeiros-ministros (função constitucional), a última das quais, dois dias antes de morrer, Liz Truss. A ironia da política é que Truss foi em sua adolescência crítica da monarquia.

As décadas de Elizabeth não foram tão gloriosas quanto as da rainha Vitória (1837-1901), que constituiu e liderou o Império Britânico, o maior em extensão de terras descontínuas da história – por isso denominado aquele “onde o sol não se punha” –, composto por domínios, colônias, protetorados, mandatos e territórios administrados pelo Reino Unido.

Em 2 de junho de 1953, aos 25 anos, ela herdou a coroa britânica em tempos de descolonização e de revezes para impérios, cinco anos após a independência da Índia. Algumas monarquias no mundo sobreviveram após a Segunda Guerra Mundial. A do Reino Unido foi uma delas.

Para tanto, Elizabeth II, que não nascera para ser rainha, reescreveu o seu papel, pairando sobre o marketing pessoal do esplendor aristocrático, num exercício diplomático acima das ambiguidades e violências de seu reino contra os povos colonizados.

Quando o rei Eduardo VIII abdicou em dezembro de 1936 do trono inglês para se casar com Wallis Simpson, socialite americana divorciada – situação inaceitável para as convenções da época –, Elizabeth tinha 10 anos.

Coube ao pai dela, George VI, a coroa. Uma vez princesa, se tornaria a sucessora da dinastia Windsor apenas na hipótese de não nascer em sua família caçula do gênero masculino. Foi o caso.

Sem irmão que lhe tomasse o trono, se tornou chefe de estado com funções políticas simbólicas. Assistiu à desintegração do império, com a independência e transformação em república das antigas ex-colônias e a antipatia crescente às casas reais, em tempos de racionamentos e crise financeira após a Segunda Guerra.



O início do reinado


Foi nesse contexto que ela assumiu o trono. Já estava casada com Philip, nobre greco-alemão sem fortuna e de uma casa decadente (que se tornaria duque de Edimburgo), com quem teve quatro filhos: Charles, o primogênito, a princesa Anne e os príncipes Andrew e Edward.

A Philip, que morreu em abril de 2021, é atribuída a construção de uma nova narrativa, que garantiu a mudança de relacionamento da coroa inglesa com a população.

Era questão de sobrevivência a elevação de um imaginário que, se por um lado simbolizasse a perfeição e a beleza distanciando-se de uma vida comum, por outro humanizasse tais personagens, transformando suas dores e conquistas em ações de “sacrifício” pessoal para o reino.

Elizabeth navegou na era da televisão, tornando-se a primeira chefe de estado no Reino Unido com a coroação televisionada. O espetáculo caiu no gosto popular.

A família real, antes distante, aos poucos foi se constituindo instituição vinculada ao imaginário do “glamour” de contos de fada, ao turismo e ao entretenimento, também empenhada na promoção dos produtos britânicos. Mais tarde, já na era das mídias digitais, o Palácio de Buckingham se repaginou em torno dos perfis oficiais e do interesse despertado na sociedade pela vida das “celebridades” da realeza.

Escândalos na família real

A maior visibilidade da família real veio acompanhada igualmente de escândalos. Foram derivados de expectativas frustradas entre a imagem pública e as funções oficiais esperadas de seus membros, por um lado,  e, por outro, por aspirações individuais, em geral relegadas em defesa da instituição monárquica. Elizabeth II navegou por todos eles, agarrada à coroa.

Contornou o furor causado junto à opinião pública pelo comportamento de sua irmã, que saía do roteiro real supervisionado pela Igreja Anglicana: a princesa Margaret (1930-2002) fora amante de Peter Townsend, um plebeu divorciado e pai de dois filhos; depois, se casou com o fotógrafo Antony Armstrong-Jones, de quem se divorciou. Da mesma forma, os filhos.

Em 1992, o príncipe Andrew se divorciou de Sarah Ferguson, e a princesa Anne, de Mark Phillips. Andrew continuou a dar trabalho com o recente envolvimento nas denúncias de que teria mantido relações sexuais com uma adolescente de 17 anos, em 2001, vítima do esquema de tráfico sexual do bilionário Jeffrey Epstein.

Nada que se compare, contudo, ao desgaste provocado pelo divórcio, em 1996, de Charles e Lady Diana Spencer – que morreria em 1997 num acidente de carro, em Paris, com o namorado Dodi Al-Fayed. A então rainha, que mantinha relacionamento difícil com Diana, viu sua popularidade despencar.

A imagem da realeza também foi bastante arranhada em meio às acusações recentes da duquesa de Sussex Meghan Markle de racismo dentro da família.
 
Já sem império, mas ainda segurando os ímpetos independentistas dos países do Reino Unido (em particular a Escócia), Elizabeth II assistiu inconformada, mas sem poder de ação, ao Brexit, que levou à saída do Reino Unido da União Europeia. Chegou a ensaiar manifestação em favor da União Europeia, quase escorregando do enredo real da neutralidade.

No balanço de sua longeva trajetória, foi discreta, ao mesmo tempo em que se fez presente no imaginário do inglês comum, assegurando a sobrevida da monarquia. Deixou como grande trunfo a preservação da confiança numa coroa percebida por muitos como instituição de privilégios mantidos pela população. Agora, em sua ausência, restam os desafios a Charles III.

Monarca de um reino e 14 países

A rainha Elizabeth II, sucedida por Charles III, foi monarca do Reino Unido e de outros 14 países independentes, denominados reinos do Commonwealth. que no passado foram colônias britânicas. Entre os mais populosos estão Canadá, Austrália, Papua Nova Guiné e Nova Zelândia.

São monarquias constitucionais, o que significa dizer que a rainha ou o rei britânico é o chefe de estado, não chefe de governo: guarda um poder simbólico, uma vez que as decisões de governo são tomadas pelos parlamentos eleitos e implementadas na função de primeira-ministra.

Em países como o Brasil e os Estados Unidos, as funções de chefe de estado e chefe de governo são exercidas pela Presidência da República.

Elizabeth II durante cerimônia aborígene na Austrália
Elizabeth II durante cerimônia aborígene na Austrália: na agenda da rainha constavam viagens para países da Commonwealth, submetidos simbolicamente à família real (foto: Torsten BLACKWOOD/AFP - 1/3/02 )


O propósito fundamental do monarca do Reino Unido é servir como símbolo apartidário da nação, da continuidade constitucional e autoridade moral. Na era de Elizabeth II, não apenas documentos oficias eram marcados com o selo real, mas também o rosto da rainha era cunhado em moedas locais.

Para tentar frear movimentos republicanos fortes nesses territórios, Elizabeth II fazia viagens regulares. À frente de um passado imperial brutal, a família real tentava exibir uma faceta de “soft power” e influência diplomática, frequentemente encobrindo de ambiguidade decisões questionáveis do governo britânico, como a participação na invasão ao Iraque em 2003 e, em 1956, a participação da Guerra de Suez – quando Israel, Reino Unido e França atacaram o Egito para tomar o controle do Canal de Suez, que havia sido nacionalizado por Gamal Abdel Nasser.

Onda anticolonial

Depois da Segunda Guerra Mundial, quase 20 ex-territórios britânicos conquistaram a independência, tornando-se repúblicas, entre as quais Índia, Nigéria e Paquistão. Já nos anos 70, uma nova onda anticolonial varreu o Caribe, levando República Dominicana, Trinidad Tobago e Guiana. No Oceano Índico, em 1992, foi a vez das Ilhas Maurício.

O último a se despedir de seu passado monárquico foi Barbados. “Chegou a hora de deixar completamente nosso passado colonial para trás”, disse a governadora-geral Sandra Mason em 30 de novembro de 2021. A data foi marcada para coincidir com o 55º aniversário da independência de Barbados do Reino Unido.

A decisão aqueceu a fervura do recente movimento global Black Lives Matter, que, nas ex-colônias caribenhas da Grã-Bretanha, carrega a marca da escravidão e do questionamento de seu papel na promoção da riqueza e poder global do antigo Império Britânico. Barbados e outros membros da Comunidade do Caribe pressionam os governos europeus a fazerem reparações integrais.

Na Jamaica, o movimento de ruptura com a monarquia ganha força e chegou a requerer de Elizabeth II as devidas reparações pela participação da Coroa no comércio transatlântico de escravos.



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