No inclemente Sertão, no semiárido nordestino, surgiu esta tradição singular de rodeio, em que vaqueiros a cavalo perseguem um touro na vegetação espinhosa da caatinga, pontuada por cactus, competindo para tirar do animal uma tabuleta de couro pendurada em seu pescoço.
Um a um, centenas de touros são soltos de um recinto estreito, correndo para a vegetação, enquanto são perseguidos por uma dupla. Vence aquela que retornar com a etiqueta para o ponto de saída mais rápido - às vezes a pé, se os vaqueiros caírem de seus cavalos.
Com a pálpebra esquerda sangrando, o vaqueiro José Vasconcelos parece ter acabado de sair de uma experiência de quase morte enquanto tira o pesado traje de couro que o cobre dos pés à cabeça e o protege da vegetação espinhenta.
Apesar de não ter conseguido alcançar o touro, ele está radiante.
"É bom demais! A adrenalina é bom demais! Não tem como explicar direito, não", diz este jovem robusto de 29 anos, que já quebrou um braço, machucou uma perna e a clavícula na competição.
Para além dos gritos dos vaqueiros, do tilintar das esporas e do cheiro de churrasco, um forte clima político predomina na Fazenda Piutá, uma fazenda de gado nos arredores de Cabrobó, a cinco horas de carro de Garanhuns, cidade natal de Lula, em Pernambuco.
A disputa eleitoral entre o ex-presidente (2003-2010) e Bolsonaro é um tema candente, e - como parece ser o caso de praticamente todos neste rodeio - Vasconcelos não é fã do presidente.
"Esse negócio de política eu não entendo muito não. Mas o Bolsonaro não é um bom presidente", diz ele.
Econômico nas palavras, ele cita uma queixa comum: a inflação.
"No tempo de Lula, as coisas eram mais baratas", lembra.
- Missa a cavalo -
O gigantesco setor do agronegócio é o terceiro 'B' da bancada da 'Bíblia, Bala e Boi', que apoia amplamente Bolsonaro.
Mas os pecuaristas do nordeste ficam de fora.
A região, a mais pobre do país, também é um campo de batalha eleitoral chave, onde vive um quarto dos 214 milhões de brasileiros.
Lula, que venceu o primeiro turno, em 2 de outubro, com 48% dos votos contra 43% para Bolsonaro - um resultado mais apertado do que o esperado - superou o adversário com folga no Nordeste, com 67% dos votos.
O atual presidente, que obteve 27% dos votos na região, espera ter um desempenho melhor no segundo turno, em 30 de outubro.
Mas tem diante de si uma batalha difícil.
Ana Gabriele dos Santos, fazendeira de 25 anos que ajuda a preparar os cavalos, era uma menina quando Lula foi reeleito, há 16 anos. Mas ela cresceu ouvindo como seus programas sociais ajudaram as pessoas do local.
"Desde criança eu sempre entendi que o povo falava do Lula. Sempre foi e é Lula", diz ela.
"Por ser daqui, ele pensa na pobreza do povo. Bolsonaro, não. Ele é mais por estratégia", explica.
Enquanto se prepara para o rodeio em seus tradicionais trajes de couro, Marcelo Nogueira, de 30 anos, critica que Bolsonaro reivindique como sucessos seus o Auxílio Brasil e a transposição do rio São Francisco.
"Bolsonaro não prestou. Inventou esse 'Auxílio Brasil', mas é um nome novo para o 'Bolsa Família' (criado por Lula). Foi tipo a transposição. Bolsonaro ganhou a fama porque terminou, mas quem começou foi o Lula, né? Só não inaugurou", diz Nogueira.
"Toda a minha família está com Lula. Acho que todo o nordeste está com Lula", emenda.
A vaquejada começa com uma missa católica no lombo do cavalo, onde um padre abençoa os cavaleiros e reza por sua segurança.
Não é algo trivial. Duas semanas antes deste evento, um vaqueiro foi atravessado por um galho seco e morreu.
O perigo não diminui o apelo para as centenas de aficionados, que acompanham o espetáculo do alto de carros, caminhões e até mesmo árvores.
"A gente aqui vive para vaquejar. Aqui é maior que o futebol, que qualquer outra coisa", diz Maria de Moraes, de 48 anos, fazendeira que se autodenomina viciada em vaquejadas.
Apenas outro assunto a entusiasma tanto.
"Lula, Lula e Lula", diz ela quando perguntada em quem vai votar.
"Só eu falar em Lula, me arrepio".
CABROBÓ