Assim que se chega a Al-Shahaniyah, a cerca de 40 km de Doha, dezenas de animais são conduzidos por cuidadores ou descansam na areia à espera de um treino ou uma prova.
Nos inúmeros estábulos no entorno da pista, eles recebem tratamento especial, assim como os cavalos no turfe.
Nasser, de 29 anos, era um dos muitos presentes, acompanhando atentamente o movimento dentro de seu carro.
Com seu tradicional traje branco, o Thawb, ele não quis aparecer em fotos, apesar da simpatia e hospitalidade. Ao perceber o interesse da equipe de jornalistas sul-americanos da AFP pela corrida de camelos, convidou os visitantes para um chá com tâmaras e pão árabe em sua casa.
"Oh! Neymar! Cavani! James Rodriguez!", exclamou ele, mostrando que também conhece o futebol. Enquanto isso, seu sobrinho disputava uma partida de 'FIFA 23' no videogame.
Nasser conta que a corrida costuma acontecer aos sábados às 06h00, ao nascer do sol, quando o calor não é tão intenso.
"São provas de 4, 6 e 8km. Os melhores camelos podem percorrer quatro quilômetros em até 5 minutos", diz ele, proprietário de cinco animais. Ele também é dono de um estábulo próximo à pista, que diz valer milhares de dólares. "Ainda não estou usando, mas está reservado para o futuro".
- Jóqueis robôs -
Apesar de os praticantes e fãs prezarem pela tradição, foi necessário modernizar a atividade. Os camelos eram montados por jóqueis menores de idade, mas o risco de acidentes e alegações de abusos dos direitos humanos levaram à proibição dessa prática no Catar.
Como aconteceu com o VAR no futebol, a tecnologia foi a saída. Os camelos passaram a ser montados por jóqueis robôs, menores e mais leves até do que uma criança.
Um operador aciona remotamente uma vara que funciona como chicote, faz o robô puxar as rédeas e até solta gritos de incentivo por meio de um alto-falante embutido.
Os camelos de corrida podem alcançar os 65 em trajetos curtos e manter quase 50 por até uma hora nos mais longos.
O preço dos resistentes animais que disputam as provas é impressionante.
"Um camelo de corrida custa no mínimo US$ 500 mil", conta Hafiz, de 58 anos, tio de Nasser. Ele é militar aposentado e possui 12 camelos.
"Eles começam a competir aos 2 anos de idade. E 'se aposentam' por volta dos nove anos", acrescenta. Entre um e outro gole de chá, Hafiz exibe com orgulho em sua sala os quadros com fotos de seus camelos premiados.
Depois do treino, os animais são reconduzidos ao estábulo, onde são alimentados e recebem até soluções intravenosas com vitaminas, eletrólitos, aminoácidos e outros nutrientes.
"Lesões nas patas são tratadas rapidamente para que não ocorram infecções", conta Nasser, que domina um inglês básico.
- Tradição de pai para filho -
As corridas começaram a ser disputadas no Catar praticamente junto com o surgimento do país, no início dos anos 1970 (o emirado foi fundado em 1971). Mas já existiam muito antes.
A passagem de bastão de uma geração para outra fica evidente ouvindo as histórias de Hafiz e Nasser e observando os meninos da família com menos de 5 anos montando nos camelos com desenvoltura.
A competição é tão popular que existe até uma emissora local que transmite as provas, acompanhadas assiduamente pela TV ou por celulares.
Os fãs podem acompanhar a evolução dos animais de dentro de seus carros em uma rodovia de asfalto no entorno da pista de areia. Não são vendidos ingressos.
Na altura da linha de largada, um enorme telão exibe a corrida. Um locutor exaltado narra a prova em ritmo alucinante. Sua voz potente é projetada pelos alto-falantes, como se estivesse narrando a final da Copa do Mundo.
Aliás, a maior competição de futebol do planeta vai durar apenas um mês. Muitos estádios que serão utilizados no torneio da Fifa serão desmontados após o fim do Mundial.
Já a pista de Al Shahaniya e a paixão dos cataris pela corrida de camelos parecem ser eternas.
DOHA