Jornal Estado de Minas

RÚSSIA-UCRÂNIA

Rússia cogita guerra nuclear contra escalada militar do Ocidente na Ucrânia

A Guerra da Ucrânia entra em sua 48ª semana com um novo ponto de inflexão no conflito entre a Rússia, que invadiu o país vizinho em fevereiro passado, e o Ocidente, que tem sustentado militarmente os esforços de Kiev em resistir à agressão.



Nesta quinta-feira (19/1), véspera da reunião em que aliados ucranianos prometem um pacote robusto de novas armas que pode incluir tanques de guerra até agora não enviados para o conflito, Moscou reagiu à movimentação ameaçando o emprego de sua bomba atômica retórica: armas nucleares de verdade.

Representante da linha dura do Kremlin, Dmitri Medvedev, que presidiu o país em nome de Vladimir Putin de 2008 a 2012, foi ao Telegram comentar o encontro desta sexta (20/1) do grupo de 50 países liderados pelas forças da Otan, a aliança militar ocidental, na base americana de Ramstein, na Alemanha.

"Baladeiros políticos subdesenvolvidos repetem como mantra: 'Para obter a paz, a Rússia precisa perder'. Nunca lhes ocorre trazer a seguinte conclusão elementar disso: a derrota de uma potência nuclear numa guerra convencional pode levar a uma guerra nuclear. Potências nucleares não perdem conflitos em que seu destino está em jogo", escreveu.



O comunicado é interessante. Se por um lado Medvedev repete o que já disse outras vezes, apelando a uma linha que já não comove tanto os políticos ocidentais, por outro transparece uma franqueza inusitada: a admissão de que os russos podem ser derrotados.

Já no ambiente oficial do Kremlin, o porta-voz Dmitri Peskov foi numa linha semelhante ao comentar reportagem do jornal americano The New York Times, segundo a qual o governo de Joe Biden tem discutido apoiar uma eventual ofensiva ucraniana contra a Crimeia —península anexada em 2014 pela Rússia e joia da coroa expansionista de Putin, sede de sua Frota do Mar Negro.

Conflito nuclear


A reportagem é, no jargão político, um balão de ensaio: para tal ataque, Kiev precisaria retomar a província de Kherson, algo que não parece tão simples. Mas Peskov mordeu a isca e indicou a reação russa.



"Significaria elevar o conflito a um novo nível que não acabará bem para a segurança europeia." Ele também endossou o comentário de Medvedev, dizendo que "está de acordo com a doutrina nuclear russa", em referência a um dos preceitos para o emprego das armas inomináveis: risco existencial para o Estado.

Por outro lado, um anúncio significativo por parte da Suécia sugere que o Ocidente está disposto a testar novamente as linhas vermelhas constantemente redesenhadas pelo Kremlin. Também nesta quinta, o governo sueco, que negocia sua entrada na Otan, anunciou que vai colocar no megapacote militar de sexta um número indeterminado de sistemas de artilharia Archer, do qual tem 48 unidades.

É um dos melhores obuseiros autopropulsados do mundo e, a depender da munição utilizada, pode atingir alvos a 50 quilômetros de distância. Até aqui, a Ucrânia dependia nessa categoria acima de 150 mm de calibre dos mais antiquados Msta-S soviéticos, dos quais dispunha de 40 antes do início da guerra.



Estocolmo também promete enviar 50 carros de combate leves. Assim, soma-se à ajuda que será liderada por até US$ 2 bilhões dos EUA —que já anunciaram incluir 50 blindados Bradley, a coisa mais próxima de um tanque de guerra por eles prometida a Kiev, e sistemas antiaéreos Patriot.

Aqui começam os problemas dos ocidentais e de seus aliados, todos sob o guarda-chuva americano da Otan. O governo de Volodimir Zelenski quer 300 tanques para segurar a ofensiva russa no leste do país, que nesta quinta parece ter chegado ainda mais perto da vital cidade de Bakhmut, em Donetsk (Donbass).

Especialistas falam que cem tanques novos já ajudariam a equilibrar o jogo. Até aqui, a Otan evitava falar no envio desses veículos por temer a reação russa. Isso mudou, e o Reino Unido fez o primeiro anúncio sobre armas do tipo nesta semana, prometendo 14 Challenger-2 para o pacote europeu, que inclui aliados como Austrália, de sexta.



Tudo isso elevou a pressão sobre a Alemanha, que produz o tanque moderno mais utilizado na Europa, o Leopard-2. Não só para enviar alguns dos seus 376 blindados, mas principalmente para autorizar os outros operadores a enviar seu produto para uma terceira parte.

Resistência


Berlim resiste, apesar de a questão ter ajudado a derrubar sua ministra da Defesa, Christine Lambrecht, na segunda (16). O premiê Olaf Scholz foi cobrado no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, por colegas europeus sobre o tema e voltou a dizer que é preciso cautela. Na quarta-feira (18), autoridades alemãs falaram anonimamente que Berlim só liberaria os Leopard se Washington enviasse seus poderosos tanques M-1A2 Abrams para o conflito. A reação americana foi imediata.

"Acho que não estamos lá ainda. O Abrams é um equipamento complexo, caro, cujo uso é difícil de treinar", afirmou Colin Kahl, assessor do Pentágono. O tanque usa um motor com turbina, como o T-80 russo, o que eleva o desempenho, mas o torna um beberrão de combustível —algo que a Ucrânia não tem sobrando.



Seja como for, há otimismo. O governo da Lituânia disse estar certo de que vários países irão anunciar o envio de Leopard-2 —12 nações europeias o operam. O Reino Unido também disse que irá fornecer, além de tanques, 600 mísseis antiblindados Brimstone, uma arma poderosa.

Enquanto o debate ocorre, os ucranianos elevam a cobrança com os russos atacando a leste. "Não temos tempo. A questão dos tanques precisa ser resolvida o mais rapidamente possível, estamos pagando pela demora com a vida do nosso povo", afirmou no Telegram o assessor presidencial Andrii Iermak.