"Reforma sexista, greve feminista", dizia o cartaz exibido pela servidora pública Kenza Ezzemzemi, 24, nesta terça-feira (7/2), em Toulouse, no sul da França, durante a terceira jornada de manifestações e greve geral contra a reforma da Previdência do governo de Emmanuel Macron.
A proposta, apresentada aos franceses no início de janeiro pela primeira-ministra Elisabeth Borne e que agora passa pelas comissões do Parlamento francês sob forte resistência dos partidos de centro e de esquerda, pretende aumentar a idade mínima para a aposentadoria, de 62 para 64 anos, até 2030. A reformulação quer também prolongar os anos de contribuição, de 42 para 43 anos, já em 2027 para que se tenha acesso a uma pensão integral.
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As cifras são menores do que as dos protestos do dia 31 de janeiro, quando governo e sindicatos contabilizaram 1,3 milhões e 2,8 milhões de manifestantes, respectivamente. Mas são ainda um pouco maiores do que aquela da primeira chamada contra a reforma da Previdência, ocorrida no dia 19 de janeiro, com 1,1 milhão de pessoas, segundo dados do ministério. Uma nova mobilização foi marcada para o próximo sábado (11/2) em todo o país.
Protestos
Em protestos desta terça, foram grupos feministas que abriram as passeatas com cartazes como o de Kenza, gritos de guerra e paródias de hits da música pop que falam sobre baixos salários, trabalho doméstico, patriarcado e igualdade, e anunciam: "C'est la greve feministe!" (é uma greve feminista).
"As mulheres terão de trabalhar dois anos a mais, sendo que elas já desempenham muito mais funções não remuneradas ao longo da vida do que os homens", argumenta Kenza, que diz ser parte de uma aliança de movimentos sociais chamada Revolução Permanente, presente em toda a França. "Se olharmos por essa perspectiva, a reforma se torna ainda mais injusta."
Ela se refere às atividades de cuidados com a casa, com filhos e com pessoas idosas, que são desproporcionalmente desempenhadas por mulheres na França, assim como no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), enquanto 7% dos homens inativos afirmam estar sem trabalho formal por motivos familiares ou por executarem trabalhos domésticos, entre as mulheres inativas esse percentual é de 54%.
Esse dado está refletido na taxa de emprego de 2021, que também aponta para a disparidade de gênero. As francesas atingem o pico na faixa entre 35 e 40 anos, quando 88% dos homens estão empregados contra 76% das mulheres.
Para a professora Delphine Lannes, 46, o fato de as mulheres tirarem licença-maternidade ou interromperem o trabalho temporariamente para cuidar dos filhos torna impossível o pagamento das cotas necessárias à aposentadoria integral. "Queremos algo mais justo e que partilhe a riqueza que, de uma maneira ou de outra, ajudamos a produzir."
A assistente social Alina Rubio, 65, ilustra a observação da professora. Apesar de já ter idade para se aposentar segundo a regra ainda vigente, ela ainda não conseguiu cumprir com as cotas de contribuição necessárias para receber o benefício integral. "Tive dois filhos, tirei licenças, trabalhei meio período por muito tempo. Agora, venho aqui por meus filhos e netos", diz.
Desigualdades
A reforma da dupla Macron-Borne parece espelhar ou mesmo aprofundar as desigualdades de gênero já presentes na sociedade francesa. Hoje, as mulheres recebem uma pensão média de EUR 1.274 por mês, 24% menos que os homens (EUR 1674). Isso porque as mulheres ganham, em média, salários 16% menores do que os homens, segundo dados do Insee.
Elas são maioria em atividades menos valorizadas dos setores de educação, saúde e limpeza e também estão desproporcionalmente presentes nos trabalhos de meio período -28% das mulheres contra 8,3% dos homens têm esse tipo de arranjo de trabalho.
Um estudo de impacto sobre a proposta de reforma da Previdência apontou que as mulheres serão mais penalizadas pelo projeto. Enquanto os franceses terão que trabalhar cinco meses a mais para se aposentar segundo as novas regras propostas, as francesas precisarão de sete meses.
Quando questionado sobre o assunto, o próprio Ministro das Relações com o Parlamento, Franck Riester, um tanto envergonhado, admitiu diante do Senado Federal, na semana passada, que "elas são, de certa forma, penalizadas pelo adiamento da idade legal, isso não se pode negar".
A primeira-ministra correu para consertar a situação. "Não posso deixar que se diga que nosso projeto não protegeria as mulheres. Pelo contrário", disse. Em uma tentativa de apagar o fogo, Borne propôs que pessoas em carreira longa, ou seja, que começaram a trabalhar antes dos 21 anos, poderiam antecipar a aposentadoria para os 63, não 64. Trata-se de uma medida que não fazia parte do primeiro texto proposto.
"A diferença entre as mulheres trabalhadoras organizadas e Borne é que ela é uma mulher burguesa, que não precisa se submeter a trabalhos violentos e mal pagos", diz a ativista Rozenn Kovol, 21, do coletivo feminista De Pão e de Rosas.
"Essa é uma reforma antifeminista e patriarcal", afirma, antes de pegar seu megafone e puxar o coro de uma versão de "Freed from Desire", canção de Gala Rizzatto, rebatizada como "Sem a gente, o mundo para" por um grupo feminista de Rennes, no norte da França. A letra, que se tornou um dos hinos do protesto, diz: "Nosso trabalho, assalariado ou doméstico, faz o capitalismo perdurar. Antes da corveia, é tempo de bloquear tudo. Se revoltar! E isso vai explodir."