"Você está diante de um senhor louco, em uma casa um pouco estranha, em meio a uma bagunça alucinante. Este é o resultado de uma paixão de mais de 50 anos", explica o historiador ao receber a AFP na residência onde acaba de se instalar, no bairro carioca da Gávea.
Arquivos corta-fogo, desumidificadores, pilhas de livros no chão. A residência bem iluminada do começo dos anos 1950 abriga, em três andares, uma biblioteca imponente de 11 metros de altura, acessível por uma escadaria interna.
"Vou completar 65 anos e desde os 12, 13 anos de idade, reuni a maior coleção de autógrafos do mundo", diz o brasileiro. Trata-se de assinaturas, mas principalmente de cartas, manuscritos, fotos, desenhos.
"A ambição desmedida" desta coleção com mais de 100.000 peças atualmente é "refletir a cultura ocidental dos últimos cinco séculos".
"Minha esposa chama os vendedores de manuscritos de meus traficantes", diz ele, ao descrever a obsessão de toda uma vida como "um vírus, uma doença", mas que "lhe trouxe muitas alegrias", apesar de alguma ansiedade financeira.
Filho de diplomata, que recebeu "uma educação privilegiada", Corrêa do Lago representou durante 26 anos a casa de leilões Sotheby's em São Paulo, dirigiu a Biblioteca Nacional, no Rio, e foi curador de diversas exposições sobre o Brasil.
Ele fundou com sua esposa, Bia, filha do escritor Rubem Fonseca, morto em 2020, a editora de livros de arte Capivara e é autor de cerca de 20 obras.
- 'Fetichismo' por Proust -
O início da consagração veio em 2018, com uma exposição na Morgan Library, em Nova York, de 140 documentos, "uma pequena amostra" de sua imensa coleção. "Foi a primeira vez que expuseram uma coleção privada de manuscritos", orgulha-se Corrêa do Lago.
Mais de 80.000 visitantes puderam contemplar um desenho de Michelangelo, uma carta de Flaubert a Victor Hugo, outra de Mozart a seu pai, manuscritos de Einstein, de Newton e Darwin, a capa das cantatas de Bach, um pergaminho de 1153.
E um incipit (primeiros trechos de um manuscrito) provisório de "Em busca do tempo perdido", antes do famosíssimo "Longtemps, je me suis couché de bonne heure" (Por muito tempo, me deitei cedo, em tradução livre), de Proust.
Embora tenha reunido uma coleção impressionante de originais sobre Flaubert, Baudelaire, Hugo e Toulouse-Lautrec, além do interesse por Napoleão, Van Gogh ou Picasso, Corrêa do Lago juntou uma coleção excepcional sobre Proust.
"Proust é objeto de um fetichismo absoluto, não escapo disso", admite este homem alto e barbudo, que fala um francês fluente e relê "o tempo todo" trechos de "Em busca do tempo perdido".
Foi há 20 anos que ele comprou, em Nova York, sua primeira carta de Proust, por 200 dólares, em uma loja pequena. Então, tinha 500 dólares para passar o mês. "Uma carta de uma importância extraordinária, escrita para a Grasset" pelo escritor em busca de editora.
Há dez anos, o carioca comprou fotos de uma sobrinha-neta de Proust, entre as quais os únicos registros originais de seu apartamento em Paris, em um pequeno lote, de algumas centenas de euros.
Ele conseguiu comprar 90 cartas da gigantesca correspondência do escritor, 80% da qual se perdeu. "Fico muito emocionado em ter nas mãos (...) o papel que ele mesmo tocou", explica.
- 'O preço de um carro grande' -
No ano passado, por ocasião do centésimo aniversário da morte de Proust, ele emprestou alguns itens à Biblioteca Nacional da França (BnF) e, antes, ao Museu Carnavalet, ambos em Paris.
Mas, principalmente, Corrêa do Lago "fez muitos amigos entre os Proustianos", ao publicar, em outubro, "Marcel Proust, uma vida entre cartas e imagens", com 450 documentos de sua coleção, a maioria inéditos.
"Um simples brasileiro desconhecido no batalhão (...), que escreveu um livro sobre Proust, eu sentia um certo temor de qualquer modo!", comenta.
Em sua busca constante por originais e "conteúdo interessante", o colecionador viajou. "Fui a leilões de três a quatro vezes por ano na Europa e nos Estados Unidos (...) Sempre tinha o que fazer onde quer que estivesse no mundo".
Sua maior loucura financeira? O manuscrito da "La biblioteca de Babel", de Borges, "pago em quatro anos, ao preço de um carro grande".
"Eu não tenho fortuna pessoal. Tudo o que ganhei na minha vida, investi na minha coleção", diz o intelectual.
"Talvez pudesse ter gasto (mais) com minha família, mas eles nunca se queixaram", conclui, com uma risada.
RIO DE JANEIRO