A figura feminina não é a que mais se destaca entre os uniformes heterogêneos da Guarda Suíça e as fileiras de cardeais na praça de São Pedro.
Mas as mulheres que trabalham na administração do governo da Igreja são cada vez mais numerosas.
Em 2022, as mulheres representavam 26,1% da população ativa, contra apenas 19,3% em 2013, segundo um levantamento da jornalista austríaca Gudrun Sailer, publicado nesta terça-feira (7) no Vatican News.
O aumento da presença de mulheres tem sido elogiado em público. Mas uma dezena de funcionárias entrevistadas pela AFP lamentam - sob condição de anonimato - as atitudes condescendentes e adversas que enfrentam, principalmente entre os clérigos.
"Ainda há um longo caminho a percorrer", sublinha uma delas, que trabalha há 10 anos na Santa Sé.
Outra denuncia um "teto de vidro e uma atitude globalmente paternalista nos corredores", com uma visão antiga da "mulher sensível, doce, que encontramos refletida nos discursos do papa".
"Às vezes temos a sensação de sermos consideradas estagiárias. São pequenos gestos, uma mão no ombro, uma falta de consideração, comentários quase diários sobre o físico ou a roupa", acrescenta.
Outras mulheres, às vezes mães, lamentam terem sido relegadas a papéis secundários. Elas também denunciam um mandato implícito de silêncio e docilidade.
- "Mentalidade machista" -
Para aumentar sua visibilidade, as mulheres uniram forças com a criação, em 2016, da associação "Donne in Vaticano" . As integrantes, quase 100, se reúnem todos os meses.
"O objetivo é criar uma rede de troca e valorizar o protagonismo da mulher", explica sua presidente, Margherita Romanelli, à AFP.
A criação, em 2012, do suplemento feminino do Osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano, foi o primeiro passo.
Mas não durou muito. Em 2019, sua fundadora Lucetta Scaraffia acabou deixando o projeto após denunciar um "clima de desconfiança".
Ela afirma que as reformas do papa são essencialmente "cosméticas" e, na verdade, escondem uma "mentalidade machista" segundo a qual "as mulheres devem servir sem pedir nada em troca".
Scaraffia denuncia a "escravidão moderna" sofrida por religiosas empregadas no Vaticano e em outros lugares dirigidos por padres, bispos ou cardeais, muitas dos quais devem "cozinhar, limpar e lavar roupas".
Também denuncia a violência sexual sofrida por religiosas em Roma e no mundo, que muitas vezes termina em abortos.
- Passo a passo -
Apesar das críticas, um amplo setor aplaude a presença cada vez maior das mulheres nas estruturas eclesiásticas, com um número crescente de mulheres laicas empregadas para tarefas específicas.
Desde a eleição de Francisco, há 10 anos, o número de mulheres em cargos de responsabilidade triplicou.
Em 2021, a irmã Alessandra Smerilli tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de secretária (número 2) de um dicastério, equivalente a um ministério.
Outros exemplos incluem o de Barbara Jatta, a primeira diretora dos prestigiosos museus da Santa Sé.
O pontífice argentino continua avançando passo a passo. As mulheres podem participar da nomeação dos bispos e a laicização dos cargos de "ministro" abre novas perspectivas para elas.
"Apenas 10 anos atrás não seria possível imaginar uma evolução dessa magnitude", destaca Gudrun Sailer.
Em uma Cidade-Estado que aplica uma rígida igualdade salarial, o líder dos mais de 1,3 bilhão de católicos também introduziu medidas simbólicas, como permitir que as mulheres participem da cerimônia de lava-pés ou leiam o Evangelho na missa.
- "Mudar as mentalidades" -
Há um descompasso entre essas reformas e a persistência de comportamentos misóginos e algumas mulheres se perguntam qual posição tomar.
"Algumas acreditam que é preciso falar a verdade e denunciar os comportamentos, outras acham que é contraproducente e que é preciso se contentar com pequenos avanços", diz uma delas.
"Mudar mentalidades é um processo longo", lembra Romilda Ferrauto, integrante do "Donne In Vaticano".
"O método de Francisco consiste em fazer gestos e esperar que os alicerces se movam", afirma.
O debate não se limita às fronteiras da Cidade do Vaticano, mas une vozes contra o patriarcado sistêmico da Igreja Católica Romana.
A instituição está imersa em uma ampla consulta global sobre seu futuro há vários meses.
Porque as dificuldades das mulheres no Vaticano são também reflexo de uma Igreja que ainda proíbe o divórcio, o aborto e a ordenação de mulheres, enquanto defende com unhas e dentes o celibato dos padres.
Para a teóloga francesa Anne-Marie Pelletier, o movimento é "irreversível e feliz", mas ainda faltam decisões contundentes, como a ordenação de diaconisas ou mesmo a autorização para que as mulheres sejam cardeais.