Uma mistura envolvente com cheiro de açúcar, especiarias, frutas e álcool domina o ambiente deste "salão de envelhecimento", onde barris empilhados em fileiras chegam até o teto.
"Aqui os rum e aguardentes, os mais antigos do centro de Cuba, descansam pacientemente", alguns por mais de sete décadas, explica Martí orgulhoso.
Aos 46 anos, este cubano é o guardião de uma tradição centenária, aperfeiçoada no século XIX, quando os primeiros alambiques modernos foram introduzidos na maior ilha do Caribe em meio ao boom do açúcar.
Martí explica a singularidade do rum de seu país se dá ao fato de ser feito integralmente de melaço (resíduo da fabricação do açúcar), com fermentação curta, destilação descontínua e teor alcoólico em torno de 40%. O resultado é uma bebida "leve" que, em novembro de 2022, foi declarada pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
- Viagem exótica -
Desde então, os mestres cubanos do rum são os zelosos guardiões dessa tradição: "selecionando o melaço, produzindo os melhores destilados, garantindo as misturas, o envelhecimento", explica ele, enfatizando que "o rum é um produto extremamente difícil de se fazer".
Atualmente, Cuba conta com dois "primeiros mestres do rum", os mais experientes, sete "mestres do rum", entre eles, duas mulheres, e cinco "aspirantes", todos espalhados em diferentes fábricas da ilha.
Cada um deles foi rigorosamente treinado. A formação universitária em Ciências é um requisito essencial, sobretudo para melhorar os processos técnicos, mas a transmissão oral do conhecimento através do trabalho diário nas adegas continua sendo imprescindível.
Martí, por exemplo, passou a infância no meio dos canaviais e começou a trabalhar na destilaria após concluir os estudos, até ser descoberto pelo mestre do rum da época. Ele passou nove anos como "aspirante" antes de atingir o status de "mestre do rum".
Após 12 anos de prática e uma tese científica muito elogiada, César se tornou, aos 44 anos, o mais jovem a alcançar o posto de "primeiro maestro do rum" no país.
Um recorde profissional que atraiu a atenção da gigante francesa do luxo Louis Vuitton Moët Henessy, que o contratou para criar um rum cubano exclusivo atualmente comercializado em vários países europeus.
A importante posição também vem com a responsabilidade de "desenhar novos produtos". É preciso encontrar a mistura perfeita para que o consumidor experimente "uma viagem ao campo cubano", diz.
- Paixão pela tradição -
Martí está empenhado em transmitir este saber prestigioso à Mitehel Niebla. "Aspirante" há sete anos, o homem de 42 anos passou por vários cargos na fábrica, onde seu professor observou discretamente suas qualidades sensoriais e seu compromisso pessoal antes de propor que ele desse os primeiros passos na carreira.
"Começo a perceber o quanto é importante para o nosso país, para a nossa cultura, ser guardião (...) de uma tradição que remonta a oito gerações", diz Niebla.
Para completar a sua formação, o aspirante se concentra na "parte cultural, na história do rum cubano", e os novos conhecimentos e responsabilidades que vai adquirindo fazem com que "se apaixone cada vez mais" pela tradição.
Martí, por sua vez, afirma que um mestre do rum deve "assimilar humildemente" as técnicas, a história, a diversidade sensorial dos aguardentes deixados por seus antecessores, e "ser generoso para que outros possam continuar transmitindo" esta herança.
Mas o legado implica o respeito a "um código de ética", ainda que cada mestre fabricante de rum pertença a uma fábrica e a uma marca comercial, todos defendem a qualidade e a durabilidade do rum cubano.
"Ameaças como a mudança climática", questões relacionadas ao "cultivo da cana" e "normas internacionais" são tópicos regularmente abordados em suas reuniões.
SANTO DOMINGO