Jornal Estado de Minas

DUBAI

Arábia Saudita tenta sair do 'atoleiro' da guerra do Iêmen

Oito anos depois de lançar sua campanha militar no Iêmen, a Arábia Saudita quer sair do conflito para se concentrar em seus projetos locais, apesar das poucas expectativas de uma paz duradoura.



A monarquia árabe deu indícios disso ao anunciar, este mês, os planos de retomar seus vínculos com o Irã, que apoia os rebeldes houthis do Iêmen contra o governo respaldado pela Arábia Saudita.

Riade promove uma profunda mudança social e econômica como parte da reforma "Vision 2030" do príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, e, ao mesmo tempo, "busca mudar seu enfoque no Iêmen de uma estratégia militar para uma de segurança branda e política", comentou Ahmed Nagi, do International Crisis Group.

Desde que a intervenção militar liderada pela Arábia Saudita começou em 26 de março de 2015, o reino fez bombardeios aéreos sobre seu vizinho empobrecido, em um conflito que derivou em uma das piores crises humanitárias do mundo, segundo a ONU.

Centenas de milhares de pessoas morreram, 4,5 milhões tiveram que abandonar suas casas e mais de dois terços da população vive na pobreza, segundo números da ONU.

Nagi assinalou que as "operações militares, como os bombardeios aéreos", poderiam cessar, e a prioridade será agora uma "solução diplomática".

A intervenção liderada por Riade se deu depois que os houthis tomaram o controle da capital Saná em 2014.



- Mudança de imagem -

Uma trégua mediada pela ONU que entrou em vigor em abril proporcionou uma forte redução nas hostilidades. Apesar de a trégua ter vencido em outubro, os combates, em geral, continuam parados.

A prioridade de Riade é proteger sua fronteira e impedir ataques com drones e mísseis contra suas instalações petrolíferas, indicam analistas.

"A Arábia Saudita negocia com os houthis para alcançar acordos que lhe permitam proteger suas fronteiras e preservar sua influência" nas áreas controladas pelo governo iemenita, assinalou Nagi.

A intenção da intervenção saudita era proteger os civis dos ataques houthis, reinstalar o governo e impedir que o Iêmen se transformasse em uma base de forças apoiadas pelo Irã.

Contudo, oito anos depois, os rebeldes controlam grandes extensões do país e comandam um arsenal impressionante de armas utilizadas para atacar a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, outro membro da coalizão.

Para Riade, isso põe em perigo um projeto de mudança de imagem que tem como objetivo converter o país conservador em um polo de turismo e investimentos.



O reino está construindo a cidade futurista de NEOM, avaliada em 500 bilhões de dólares (cerca de 2,6 trilhões de reais), e numerosos resorts e atrações turísticas.

- Lavar as mãos -

O diálogo não oficial com os houthis chegou a um potencial "entendimento" que poderia abrir caminho para um papel reduzido do Exército saudita antes do diálogo entre iemenitas promovido pela ONU, segundo um analista que acompanha o conflito e pediu para não ser identificado.

"Eles querem passar, de alguma maneira, de um entendimento saudita-houthi para poder entregá-lo a um processo mais amplo da ONU", assinalou.

Os sauditas "querem lavar as mãos da situação" e evitar responsabilidades por novos conflitos no futuro", acrescentou.

Um funcionário saudita, que também falou em condição de anonimato, disse que seu país "não vai tolerar nenhuma ameaça" à sua segurança, ao mencionar a extensa fronteira com o Iêmen.

"O Irã pode e deve ter um papel maior para promover isso, esperamos que o faça", acrescentou o funcionário, que confirmou as negociações com os houthis para retomar o diálogo de paz mediado pela ONU.

"Vimos algum progresso e queremos construir sobre isso para alcançar uma paz duradoura que propicie uma solução política", assinalou o funcionário.

Mas muitos analistas duvidam que os planos de Riade de reduzir seu papel militar tragam paz para o Iêmen, que permanece profundamente dividido por razões religiosas, regionais e políticas.

Não obstante, a Arábia Saudita "decidiu sair do Iêmen a qualquer preço", garantiu um diplomata árabe em Riade. "Estão presos em um atoleiro que é muito custoso em todos os níveis", opinou.