O incêndio começou na segunda-feira à noite nas instalações do Instituto Nacional de Migrações (INM) desta cidade no estado de Chihuahua, ocupadas por dezenas de homens maiores de idade e procedentes das Américas Central e do Sul.
"Isso teve a ver com um protesto que eles começaram, a partir, supomos, de quando descobriram que seriam deportados", disse o presidente Andrés Manuel López Obrador em sua entrevista coletiva diária.
"Como protesto, colocaram colchões na porta do abrigo e atearam fogo neles. Não imaginavam que isso iria causar esta desgraça terrível", acrescentou López Obrador, ao confirmar o número de mortes.
Imagens de câmeras de segurança exibidas pela imprensa mexicana e que tiveram a autenticidade confirmada pelo governo mexicano mostram um grupo de pessoas, aparentemente migrantes, chutando um portão tentando abri-lo enquanto o fogo se propaga no local onde estão trancados.
Ao mesmo tempo, pelo menos três agentes de migração uniformizados circulam do outro lado do portão sem fazer nenhuma manobra visível para auxiliá-los. Depois, a fumaça invade o local.
O chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, afirmou no Twitter que "os responsáveis diretos pelos fatos foram apresentados" à Procuradoria-Geral. Ele não divulgou nomes.
- Vítimas de seis nacionalidades -
O INM informou em um comunicado que, após uma visita aos hospitais nos quais as vítimas foram internadas, as autoridades confirmaram 38 mortes. Algumas horas antes, o instituto havia anunciado balanços de 40 e 39 vítimas fatais.
O balanço atualizado não revela um número de feridos, mas o anterior citava 28.
O instituto acrescentou que no momento do incêndio o centro de detenção tinha uma pessoa da Colômbia, uma do Equador, 12 de El Salvador, 28 da Guatemala, 13 de Honduras e 13 da Venezuela.
O INM não anunciou o número de vítimas por nacionalidades, mas o governo de Guatemala confirmou a morte de 28 de seus cidadãos. A chancelaria equatoriana também reportou a morte de um de seus cidadãos.
Os feridos, alguns em estado grave, foram levados para quatro hospitais, segundo as autoridades, enquanto o INM coordena com funcionários consulares para identificar os mortos.
A tragédia gerou muitas reações de pesar. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu uma "investigação exaustiva" do evento, disse o seu porta-voz Stéphane Dujarric.
No entanto, o embaixador dos Estados Unidos no México, Ken Salazar, considerou "uma lembrança dos riscos da migração irregular" e da urgência de reparar um "sistema migratório falido", segundo um comunicado.
O Ministério das Relações Exteriores de El Salvador expressou sua "mais veemente condenação às gravíssimas ações do pessoal do posto de imigração" e exigiu "que as autoridades competentes investiguem minuciosamente o ocorrido e levem os responsáveis à justiça", acrescentou.
O consulado do país em Ciudad Juárez ainda "conseguiu confirmar" que "existem 4 salvadorenhos com ferimentos graves" que estão sendo tratados em hospitais locais.
Por sua vez, a Anistia Internacional disse que o incêndio "é consequência das restritivas e cruéis políticas migratórias compartilhadas pelos governos de México e Estados Unidos".
"Como é possível que as autoridades mexicanas tenham deixado trancados seres humanos sem possibilidade de escapar do incêndio?", disse Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da organização, em um comunicado.
- 'Não falam nada' -
O incêndio começou na área em que estavam alojados os estrangeiros sem documentos.
Uma correspondente da AFP observou o momento em que as equipes de emergência retiravam os corpos do local e os carregavam para o estacionamento do centro migratório, antes do transporte por parte dos legistas.
Agarrada a uma ambulância, uma venezuelana que se identificou como Viangly gritava pelo marido de 27 anos, que ela disse ter os documentos que autorizam sua permanência no México.
"Ele foi levado em uma ambulância. Eles não falam nada. Um parente pode morrer, e eles não falam 'está morto'", disse ela revoltada, minutos depois.
A tragédia no centro de migrantes, perto da fronteira, mobilizou bombeiros e dezenas de ambulâncias.
A "deterioração" das condições em estações migratórias fronteiriças os submete a "perigos desnecessários", advertiu nesta terça no Twitter a ONG Comitê Internacional de Resgate.
Vários migrantes foram transferidos para a estação de Ciudad Juárez nos últimos dias, depois que as autoridades locais retiraram vendedores ambulantes, muitos deles estrangeiros.
"O que ocorreu nas ruas não tem nenhuma relação com o que aconteceu aqui", declarou a jornalistas o prefeito da cidade, Cruz Pérez Cuéllar, ao negar que as autoridades tenham lançado uma operação antes da tragédia.
O local do incidente permanecia vigiado nesta quarta-feira por militares e guardas nacionais.
Ciudad Juárez, vizinha de El Paso, no Texas, é uma das localidades fronteiriças, nas quais permanecem retidos vários dos migrantes que tentam chegar aos Estados Unidos para pedir asilo.
Cansados de esperar, centenas deles, a maioria venezuelanos, tentaram, sem sucesso, atravessar a ponte internacional em 13 de março.
Um relatório recente da Organização Internacional para as Migrações (OIM) informa que, desde 2014, cerca de 4.400 migrantes morreram, ou desapareceram, na fronteira entre México e Estados Unidos, de 3.180 km.
O presidente americano, Joe Biden, endureceu a política migratória e obrigou os migrantes de Ucrânia, Venezuela, Cuba, Nicarágua e Haiti a pedirem asilo a partir dos países de trânsito, ou por meio de consultas online.
As medidas estão sendo anunciadas no momento em que o presidente democrata é acusado pela oposição republicana de perder o controle da fronteira, com mais de 4,5 milhões de pessoas sem documentos interceptadas na região desde que ele assumiu o poder.